terça-feira, 25 de setembro de 2012

O verdadeiro amor dos homens


Futebol: 22 correndo, um torcendo e outra espumando
Poucas coisas neste mundo podem ser maiores do que aquele amor que todo homem de verdade sente no fundo do peito. Pelo futebol. Boa parte das mulheres – a maior, provavelmente – não compreende o nosso apreço pelo esporte bretão. Estas apenas toleram tal paixão ao constatarem que toda e qualquer ladainha contrária é ineficaz: em dia de jogo, a TV é nossa. A-rrá, u-rru.

O vínculo que temos com a modalidade é indiscutível, inexplicável, indelével, integral e, por que não, inútil. Sim, é notório que não existe proveito, mas nem sempre é socialmente aceitável reunir-se com o grupo de amigos para xingar em uníssono um suposto bandido. E a tarefa do árbitro de futebol, sejamos francos, é tão somente esta: apitar e ter a honestidade da mãe contestada.

Os homens já nascem com uma pré-disposição genética e hormonal ao esporte. Viemos ao mundo com a obrigação de administrar bolas desde muito cedo e, com o passar do tempo, também entendemos o valor que tem uma boa pelada. E nada pode ser tão gostoso quanto meter pra dentro entre as pernas, mas não se enganem: a bola que passa entre as chuteiras do goleiro e cruza a meta adversária é o ápice do prazer masculino.

O gosto pelo futebol é adquirido logo nos primeiros anos de nossa vida. Artefatos esportivos são itens obrigatórios no enxoval de um bebê. A paixão por determinado clube costuma ser hereditária, mas o velho “tal pai, tal filho” nem sempre cola. Escolhas contrárias costumam ser perdoadas com o passar dos anos – caso o time selecionado não seja o maior rival do velho, é claro. Eu mesmo torci por muitos clubes até chegar ao mesmo do meu pai. A tática dele foi só me presentear com produtos da sua equipe. Era aceitar, ou me tornar um torcedor não-uniformizado. Não restou o que fazer.

Minha namorada é do tipo que não suporta futebol e, quando tenta, comete alguma gafe. No último dia de jogo, por exemplo, ela comentou que ouviu rumores de uma suposta compra que o São Paulo faria do jogador Ventijo, meio-campo do Cruzeiro. O nome do rapaz é Montillo e o camisa 10 é um dos principais atletas do Brasileirão. Um desdém imperdoável, que abalou o nosso relacionamento. Pelas minhas risadas, no caso: passei dois tempos de 45 minutos pedindo desculpas pelo sarrinho e só fui perdoado nos acréscimos.

Não culpo as mulheres pela baixa popularidade do futebol entre elas; culpo a CBF, a grande responsável pelo ódio feminino ao esporte. O maior problema é o calendário de jogos conflitante com os interesses da mulher. A bola costuma rolar no domingo, dia em que deveríamos visitar a mãe delas; e na quarta-feira, dia do sofá e filme comédia-romântica. São atividades maravilhosas, obviamente adoraríamos ter estes instantes adoráveis ao lado de vocês, mas tentem nos entender: não dá para jogar canastra com a sogra ou ver Antes que Termine o Dia no DVD sabendo que nosso time está em campo e estamos perdendo a chance de xingar a mãe de um bandido. Sem escolhas, imploramos pelo controle da TV, mesmo com a certeza de que, fatidicamente, a noite vai terminar em zero a zero. É muito amor.

PS: Agora, com vocês, Skank:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 25 de setembro de 2012.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Um estranho no ninho

Gay sensualizando pra geral: cena cada vez mais comum
Ultimamente me parece que o mundo está ao contrário e ninguém reparou – para ser bem original. É como se tudo estivesse exatamente idêntico, só que do avesso. A começar pelas mulheres reivindicando os mesmos direitos dos homens. O.k., até aí nada de novo; a novidade é o oposto. Pois, sim, o vulgo sexo forte tem exigido alguns benefícios antes restritos ao frágil. Até na cama: nunca tantos exemplares masculinos quiseram abocanhar – sugiro evitar reflexões figurativas – os companheiros anatomicamente desenvolvidos para elas. E – Jesus, Maria, José! – vice-versa.

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. A conversa envereda para o sexo porque, afinal de contas, viemos para este planeta com uma tarefa pré-definida bem básica: crescei e multiplicai-vos. O problema é que este mundo nunca foi tão gay, colocando em risco o futuro da espécie. Reconheço que já conseguiram engravidar o Arnold Schwarzenegger uma vez, mas cassaram o registro médico do doutor Danny DeVito na mesma época em que foi condenado o doutor Albieri. Informações de coxia dão conta de que a Igreja Católica embasou o contraponto: não houve aprovação para a gravidez masculina, os clones humanos e as camisinhas de Vênus.

Às vezes pode até passar despercebido, mas eu sei que alguma coisa aconteceu, está tudo assim tão diferente... Se lembra quando a gente era criança e havia dois grupos bem definidos? De um lado, ficavam os meninos; correndo atrás de bolas, soltando gases, fedendo, de modo geral. Do outro, estavam as meninas; algumas mais molecas, outras mais rosas na essência, frescas, num resumo. Simplesmente nos odiávamos. E é então que entra a ação do influente tempo, aumentando bíceps e arredondando quadris, num esforço para a aproximação. E passamos a nos dar. E algumas se dão bastante.

Em algum momento no meio disso – entenda como quiser – há um descompasso na orientação da natureza. Pinta uma dúvida e o garoto não resiste à pintada: decide que o que lhe provoca desejo realmente é a turma do mesmo vestiário. Confesso que entendo mais facilmente a atração que uma mulher sente por outra, afinal são elas que também me atraem; mas, em contrapartida, sexualmente falando, acho mais autoexplicativa a relação entre dois homens. Ainda que seja leigo, é bom que se diga.

Faça o que tu queres, há de ser tudo da lei! Só aumenta a quantidade de amigos meus que são ou viram gays – e não vejo qualquer problema nisto. Talvez vivamos a liberação sexual mais intensa de todos os tempos. Começou nos anos 70, mas naquela época os liberais ainda eram caretas ao ponto de preferirem o sexo oposto – ah, clichê... O moderno agora é investir no mesmo. E ai de quem achar estranho! O presente já não faz sentido e o futuro nunca foi tão incerto. Só sei que me sinto cada vez mais antiquado. Amém.

PS: Agora, com vocês, uma homenagem! :D



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 4 de setembro de 2012.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Em campanha

- E o seu voto, quanto vale?
Estamos no período eleitoral, época de escolher os próximos enquadrados na Lei da Ficha Limpa. Ou de reeleger os já enquadrados, enfim. É tempo de encontrar santinhos em meio às correspondências – todos infernais. É hora de propaganda eleitoral gratuita e de o povo pagar caro por isso: nossa paciência testada num nível de repulsa elevado à quarta potência. Vezes dois. É a temporada de mudança, de fazer a cidade acordar! Com os carros de som, no caso: impossível dormir num sábado à tarde chuvoso depois daquela semana de batalha.

Não faz sentido, mas eleição eu gostava mesmo quando era criança. A turma se reunia no recreio pra jogar bafo. E nada de soprar o hálito na cara do amigo; não, nada disso. Os colegas sentavam-se no corredor, sobrepunham dois santinhos dobrados um sobre o outro e tentavam volvê-los com a mão levemente curvada em forma de concha, de modo que o primeiro a conseguir fazê-lo ficar-lhe-ia com o material publicitário vinculado àquele homem ou mulher em campanha. Explicando assim até pode parecer difícil, mas, num resumo breve, bastava socar aquelas fuças safadas contra o chão para virar os bagulhos. Simples assim. Tão simples que deve ter caído em desuso – a menos que já aja aplicativo equivalente para o iPad.

Hoje em dia período eleitoral me incomoda. É que não sou chegado a tapinhas nas costas de gente que mal mostra os dentes nos outros três anos e nove meses em que não há campanha. Odeio ser parado por alguém que pede votos sem ao menos ter propostas sérias a apresentar, como se eu fosse entregar a minha opinião final pela súplica, numa espécie de favor ao desconhecido que um dia decidiu me cercar na rua. Ridículo.

Antes que alguém me entenda mal, adianto-me: eleições são necessárias, uma prática indispensável num país que almeja a democracia. Acompanhar a política e todas as movimentações que afetam o nosso cotidiano também deve ser um exercício diário, afinal o dinheiro que você recebe, o dinheiro que você gasta e até mesmo o dinheiro que você deixa guardadinho naquela poupança – um abraço, Collor! – são afetados pelas decisões destes representantes públicos. O que me irrita, mesmo, é o período eleitoral.

Me incomoda empresário que não valoriza os próprios empregados abraçando pobre. Me azeda ver gente vendendo voto por tijolo, consulta no dentista ou gasolina. Ou pior, escolhendo este ou aquele porque é “daquele partido”, sem ao menos saber quais ideias tal candidato tem. Me deixa indignado ver senador e deputado conseguindo trabalhar menos ainda, fazendo inveja até em turista, empenhados em campanha. E o que mais me tira do sério mesmo é o horário político no rádio e na televisão.

Propaganda eleitoral gratuita é uma piada. Cada um pinta a vida maravilhosa que lhe parece melhor. É que nem Facebook: a gente só divulga o que vale a pena. E as juras? Somos bombardeados por promessas impossíveis, sem qualquer embasamento ou planejamento. É, simplesmente, terrível. Penso que a melhor forma de se conhecer – um pouco – cada candidato é através dos debates, mas estes acontecem à míngua. E o povo acaba votando ou pelo partido, ou pelo tijolo ou pelo mínimo conhecimento que se tem da trajetória política do pretendente ao cargo – noção que a propaganda obrigatória não ajuda a construir. Então como se escolhe um candidato? Com aquele exercício diário, claro. O problema é que no Brasil há pouca gente em forma e muito sedentário digitando o “confirma” nas urnas. Assim não dá, assim não pode.

PS: Agora, com vocês, uma verdade inconveniente:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 28 de agosto de 2012.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Agora é no Rio

Renato Sorriso nas Olimpíadas, para a tristeza de muitos
Os Jogos Olímpicos de Londres acabaram domingo deixando algumas lições importantes. Primeira: jamais brinque de “quem chegar por último é a mulher do padre” com Usain Bolt – pelo menos não sem antes escolher o vestido. Segunda: errar é o Mano, mas repetir o mesmo erro na Copa América, nas Olimpíadas e ainda cogitá-lo para a Copa do Mundo é CBF. Terceira: navegar é preciso; investir em esporte, também.

Sorriso, Ambrósio, Jorge: Brazilian Day em Londres
O Brasil conseguiu o seu maior número de medalhas em uma edição olímpica, fato a ser celebrado. Mas ainda é pouco, muito pouco, para uma nação do nosso porte e com nosso talento. Eu mesmo poderia ter sido um grande nadador ou jogador de vôlei, mas creio que careceu investimento: me faltaram oportunidades, aptidão e uns 20 centímetros.

Analisando o cenário, teríamos condições claras de figurar – no mínimo – entre os dez primeiros colocados no quadro geral de medalhas. Terminamos em 22º, o que não é vergonha: ainda que nossos atletas fiquem a míngua enquanto alguns poucos cartolas estufam contas bancárias em paraísos fiscais, resultados expressivos foram conquistados. E conquistados na base da luta, suor e sofrimento diário, enquanto um enorme grupo de sedentários – como você e eu – criticava os seus sétimos, quartos e até mesmo terceiros lugares dentro da elite mundial sem nunca ter ganhado uma medalha de Jasc sequer.

Bem, agora os jogos são aqui. E o que esperar de uma Olimpíada num país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza como o nosso? Além de superfaturamento em obras, filas em aeroportos e preços abusivos, digo. Incógnita total: há um medo geral de que o Brasil faça um fiasco. Uma preocupação insistente de que, em vez de welcome, recepcionemos o mundo com faixas hands up, playboy! É esperar para ver.

Pois um dos momentos mais aguardados do encerramento oficial das Olimpíadas de Londres era justamente aquele em que o Brasil mostraria o seu cartão de entrada para 2016. E nada de Visa ou MasterCard: tratava-se de uma rápida apresentação de traços marcantes de nosso país. Eis que surge Renato Sorriso no meio da galera, para delírio da classe operária e das madames do Leblon – cada um a seu modo, é claro. E eis que os problemas já começam.

Há quem tenha amado. Há quem tenha achado vergonhoso. Fato é que ninguém ficou indiferente à apresentação brasileira no último dia dos jogos londrinos. Consta que Boris Casoy teria repetido “isto é uma vergonha” dez vezes em frente ao espelho. As Empreguetes teriam a-ma-do. Luana Piovani teria entrado em colapso e xingado todo mundo no Twitter – um dia como outro qualquer, enfim.

Sou da parte que gostou. Acredito que não poderia haver melhor representante da nossa alegria que Renato Sorriso. A principal riqueza que o país tem é o seu povo, que batalha todo dia dando duro e ainda consegue sorrir, apesar das dificuldades. O.k., parte dos críticos só não gostou da encenação de “barrá-lo”, algo “vexatório para o Brasil”. E se fosse um gari inglês? Será que o momento não seria encarado apenas como uma encenação – que, de fato, era? E quem reclamou das músicas, esperar o quê? Sinatra? Mozart?!

A coreógrafa comentou que neste momento os chavões seriam inevitáveis, já que deveria trabalhar com figuras de fácil compreensão mundial – como o samba e o calçadão de Ipanema. Teve até gente que questionou a “excessiva” referência à cultura carioca, ignorando totalmente que as Olimpíadas, de fato, são no Rio de Janeiro e acontecem tão somente lá. E a pergunta continua: o que esperar dos jogos aqui? Não sei. Já não sei mais nem o que dizer sobre a parte pobre – de espírito – da nossa gente.

PS: Agora, com vocês, Jorge Ben:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 14 de agosto de 2012.

terça-feira, 31 de julho de 2012

O maior momento do esporte

É tempo de Olimpíadas, é tempo de inspiração!
Vivenciamos novamente o maior momento do esporte mundial. Não, não me refiro ao Campeonato de Canastra realizado anualmente no meu bairro. Tampouco me aludo ao Torneio de Bocha do bar que meu sogro frequenta para a prática desta modalidade que exige o máximo de concentração, habilidade e cachaça. Não. É tempo de Olimpíadas, meus caros!

As Olimpíadas surgiram há muito, muito tempo, antes mesmo de Cristo, pouco depois do nascimento de Niemeyer. Uma dificuldade. Primeiro porque, naquela época, faltava tecnologia. As sandálias gregas não contavam com sistemas de absorção de impactos, o que poderia compensar em partes a falta de asfalto para as maratonas daquele tempo e, talvez até, impedir a morte de Filípides. Há indícios de que os energéticos a base de taurina também não haviam sido inventados. Mas sempre houve dúvidas: Ícaro parece ter bebido alguma coisa que lhe deu asas.

Antigamente os atletas saíam de suas casas para suar a camisa motivados não pelas grandes premiações em dinheiro - sequer inventado -, mas pelo status de ser quem eram e o consequente reconhecimento público. É quase como os jornalistas atualmente, num exemplo moderno. O único prêmio era possuir a coroa. E nada de imaginar uma noite de amor com a Elizabeth da época. Não: a recompensa pelo esforço estafante era tão somente a auréola de louros concedida aos vencedores.

Hoje tudo mudou. Não há mais corrida de bigas, não há mais cabos de guerras, não há mais lançamentos de pedras. Os heróis do passado foram substituídos por homens e mulheres competindo no ar-condicionado. Menos emoção, menor glória? Nada. As condições de trabalho melhoraram para que estes atletas chegassem ao limite do corpo humano sem doping. Recordes antigos são dinamitados. Números que jamais farão sentido para você ou eu, que pedimos clemência ao subir três andares de escada. Novos ídolos nascem. Olímpia vive, agora em Londres.

Não há quem resista a uma olhadela nas Olimpíadas. Fora os guardas felpudos, seres empalhados pela própria rainha inglesa, ninguém fica indiferente aos jogos. Tenho visto tudo o que posso. De competições consagradas como o tiro ao prato até esportes de pouco público, como o futebol. Contagia. Quase comecei a academia esta semana. Desliguei a TV antes deste mal. É bom tomar cuidado: soube que a rainha Elizabeth se atirou de um avião com o James Bond só pra ver a pira olímpica. E que pira.

A capital do mundo agora é Londres, então welcome a você - sem duplos sentidos porque aqui não se faz piada velha. Viva o clima londrino. Ouça Beatles. Ande pela contramão. Odeie o príncipe Charles. Não tome banho - sei lá, a França é ali perto. Dance os cem metros rasos no seu quadrado. Tome chá às cinco. Case com a Kate Middleton - o.k., não se pode ter tudo. Mas, se não puder nada disto, apenas faça o seguinte: pratique esporte. Just do it. O legado máximo de qualquer Olimpíada é a motivação para uma vida saudável e a busca pela superação de obstáculos. Ouse. Mexa-se. Faça qualquer coisa. Nem que seja a bocha.


PS: Agora, com vocês, Queen:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 31 de julho de 2012.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Eu tenho medo


Ops! Acho que vi o Velho do Saco...
Sou obrigado a confessar: tenho medo. Aliás, medos. Mas não que eu seja um simples medroso qualquer. Não, nada disto. Sou um legítimo Cagão, com maiúsculo e sem músculo. Também não pense que é fácil, para mim, falar abertamente sobre aquilo que me assombra – já que tais informações podem ser usadas contra a minha pessoa em uma ocasião futura. Torço, contudo, para que ninguém utilize este texto para me fazer mal. E, pra ser honesto, não acredito que algum leitor leve adiante possibilidades como a de me enterrar vivo com o único intuito de dar um cagaço – primeira apreensão que entrego.

Dizem que sentir medo faz bem. O pavor seria uma espécie de bloqueio natural a ideias malucas que às vezes todo mundo tem. Como pular de algum lugar bem alto achando que é possível flutuar durante a queda com o guarda-chuva aberto. Tolice. Qualquer idiota sabe que isto só funciona com o guarda-sol. E se você não for o André Marques. Pois bem, dizem que até os mais bravos guerreiros sentiam temores durante a guerra. A diferença é que os covardes fugiam ao primeiro sinal de pavor, enquanto que os ladinos ficavam para morrer. Acho digno: nada mais nobre do que uma homenagem póstuma – a não ser que seja na Assembleia Legislativa, é claro.

Algumas apreensões são comuns a todas as pessoas, penso eu. Como o receio de perder os pais, por exemplo, algo que não desejo para ninguém: já perdi os meus cinco vezes, três no supermercado e duas no Centro. Também é muito comum o medo do escuro, especialmente entre as crianças e os monstros que dormem sob as camas delas. Esta aflição, de fato, não passa de bobagem: todo mundo sabe que nada acontece no escuro se você estiver devidamente tampado até a cabeça com a coberta.

Homens e mulheres têm medos específicos. Nós, por exemplo, tememos acordar sem nossos pênis. Elas, por sua vez, temem que acordemos sem nossos carros. Sofremos com a possibilidade do time do coração ser rebaixado – algo, por sinal, só comparável a acordar sem pênis. Nossas companheiras, se afligem com a chance de perder alguma liquidação ou torra-torra – algo como chegar à festa com o “mesmo vestido daquela vaca”.

A vida é assim, um eterno apavorar-se. Mas, vamos lá, prometi que entregaria alguns medos próprios nesta coluna. Chegou o momento. Só peço que tentem esquecer disto tudo até a próxima semana. Tem coluna nova, não retomemos o assunto. Pois bem. Tenho medo de andar na rua à noite, tanto em Araranguá como em Criciúma. Fico olhando para os lados, meio desconfiado. Sinto-me como numa Gotham City sem Batman. Tenho medo de choque elétrico. Levei um forte, numa viagem com o pessoal da faculdade, ao sair da piscina para instalar o notebook na caixa de som – talvez (talvez!) devesse ter me secado com a toalha antes.

Também tenho medo de cobras. Especialmente as humanas, raça extremamente venenosa contra a qual não há soro antiofídico. Tenho medo de atropelar animais. Acho que já atropelei um passarinho – é sério – e já matei um cachorro. Mas este, pelo modo como se atirou na frente do automóvel, era suicida. Também tenho medo de prender os testículos na porta do carro. E de ter um pesadelo erótico com a Preta Gil. Sei lá. Acho até que prefiro acordar sem o pênis...

PS: Agora, com vocês, uma pessoa com medo:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 24 de julho de 2012.

terça-feira, 17 de julho de 2012

O que não fazer na rede social

Por que algumas pessoas compartilham estes momentos?
As redes sociais – fenômeno da internet que nada têm a ver com os leitos balançantes para duas pessoas produzidos em larga escala na Bahia – são um caminho sem volta. Primeiro porque o ser humano, mesmo os exemplares mais escrotos da raça, como você e eu, precisa se relacionar com o próximo. Segundo porque a possibilidade de manter o próximo bem longe é agradabilíssima. Chega do martírio da conversa forçada sobre como vai o tempo na cidade: na internet não se pergunta isto. Chega daquele bom dia que sai coagido às 7h15min da madrugada: ninguém cumprimenta individualmente todos os contatos da rede pela manhã tão cedo – no máximo, uma mensagem em massa. Você sequer precisa se dar ao trabalho de comentar, emitir o seu ponto de vista, quando alguém lhe questiona o que quer que seja: basta curtir para não perder o afeto. Pronto, beleza. Mas o ponto crucial a que quero chegar hoje é: algumas coisas simplesmente não devem ser compartilhadas em redes sociais.

Como algumas fotos. Tudo bem que você foi para a praia no último fim de semana junto com a galera da faculdade, mas expor aquele amigo menos chegado ao ridículo de aparecer com a mão na cintura num momento de distração gay pode acabar com a reputação do garoto na internet. E o que dizer daqueles cliques dentro do banheiro, moças mandando beijinhos e rapazes mostrando peitinhos para o espelho? E o que falar, então, da garota que publica a 354ª fotografia de peito e/ou bunda e se ho-rro-ri-za com os comentários cre-ti-nos daqueles mo-le-ques?

Como algumas ideias. Tudo bem que um dia você pensou em por o gato dentro do forno microondas para ver no que é que dava – e sei de gente que já o fez –, mas divulgar uma ideia em rede social é o mesmo que colocá-la, de fato, em prática. Então cuidado. Algumas pessoas ficam chocadas ao saber o que se passa pelo seu raciocínio. Pense duas vezes antes de dizer que entende os motivos de Hitler, que chegou tarde para a Ku Klux Klan ou que comeria a Wanessa Camargo. E o bebê.

Como alguns comentários. Abelardo Barbosa já dizia: “quem não se comunica, se trumbica”. Mas tem gente que tropeça mesmo é quando abre a boca, benza Deus... E no quesito cambalear no teclado, sem tentar fazer guerra dos sexos, a mulherada lidera com folga. Os assuntos de uma parte – relativamente pequena, mas absurdamente irritante – das mulheres, basicamente, são: “as periguetes que me invejam”, “os homens que estão aos nossos pés, meninas”, “cadê o meu namorado, Santo Antônio?”, “estou solteira por opção”, “só uma dica para você, pirinha”, “só uma dica para você, cafajeste” e “eu quero tchuuuuuuu...”.

Como algumas atividades. Ninguém precisa saber que você vai ao ginecologista. Nem que “desceu”. Ninguém precisa saber que você finalmente vai fazer o exame de toque. Ou que quem vai é o seu pai, coitado. Para que comentar a sua ida ao banho? Para que mencionar a sua prisão de ventre? Para que citar o seu joanete?! Posso estar ficando ranzinza para a internet, mas é demais para mim. Preciso confessar, às vezes até sinto falta daquele bom dia coagido às 7h15min da madrugada...

PS: Agora, com vocês, uma canção pioneira sobre as redes sociais:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 17 de julho de 2012.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Síndrome de pobreza

Ônibus, confesso que ainda gosto. Um pouco
Definitivamente, nasci para ser pobre. É como se minha vida toda tivesse caminhado para a linha da miséria. Como uma pré-disposição ao Bolsa Família, sei lá. Chego a esta constatação no retorno de uma viagem Criciúma-Florianópolis. Primeiro porque chamar de “viagem” uma ida a trabalho para a Capital já dá mostras de que pouco saio de casa. Fica-se duas horas e meia na estrada, mais ou menos o tempo que um paulistano gasta para ir ao serviço. Segundo porque estou num ônibus e, agora me lembro, sempre adorei andar nisto.

Não nasci em berço de ouro, mas também não cheguei a ser gerado numa manjedoura. As contas lá de casa sempre foram fechadas com sacrifício, mas nunca faltou comida na mesa – nossa toalha estampada com frutas às vezes resolvia. A verdade é que nunca passei fome. Só meus pais.

Enfim, quando era menino, pensava que podia ser o que quisesse. E talvez pudesse mesmo, mas a cada novo dia fazemos escolhas, e estas opções involuntariamente afunilam as perspectivas. Ao me descobrir heterossexual já não podia mais ser travesti, por exemplo. Ao não prestar atenção nas aulas de Biologia, já não tinha mais como descobrir a cura de um câncer. E ao prestar vestibular para História e para Jornalismo já não podia ser rico. Mas era algo sem volta: todos os testes vocacionais apontavam para a pindaíba.

O que mais me assusta, neste momento, é lembrar que sempre gostei de andar de ônibus. Me parece que a propensão ao bolso vazio já vinha de antes. Me recordo que a possibilidade de dar uma voltinha num coletivo era caso de muita celebração. Também amava o fato de minha mãe trabalhar numa empresa de ônibus. “Mulher de sorte”, pensava, aos seis. Ela era – e é – tesoureira da companhia. Num primeiro instante, imaginei que seria a minha mãe a responsável por costurar a roupa dos motoristas. Foi decepcionante saber da verdade, mas com o tempo me conformei: de certa forma, como tesoureira, ela também evita que os funcionários andem pelados no começo do mês.

Mas retomando: o fato é que não há o menor motivo para gostar de andar de ônibus – e escrevo esta coluna dentro de um. Em Florianópolis, embarcaram cerca de 25 passageiros. Na fila de poltronas ao lado, uma gordinha trata de manter o peso: não para de fuçar pacotes barulhentos. A roliça já comeu bolacha, chips, Bis e jujuba. Uns cinco bancos à frente, uma mãe tenta, sem sucesso, fazer um bebê parar de chorar. O danado só deu uma pausa no lamento perto do posto policial. Deve ser respeito. Fora este trecho, a gritaria é intensa. Gostaria de encontrar um meio para ajudar a cessar o choro da criança, mas até agora só cogitei o estrangulamento. Sei que nem sempre este tipo de ajuda é bem visto.

Para se abancar nos últimos lugares do ônibus, entraram um jovem senhor e sua companheira, uma adorável senhorita com batom e barba mal feita. Deve ser mais forte do que eu, o elemento, típica pessoa que faria o Ronaldo estremecer. Juro que estou seco por um copinho d’água, mas sussurros e sons de beijo vindos da poltrona final têm me dado calafrios. Entre ficar sentado e saber o que acontece naquele fundo – entenda como quiser –, prefiro a sede.

Paramos em Tubarão, mas pelo visto só desceram as pessoas normais. Faz uns trinta quilômetros que a gordinha dos pacotes dormiu. “Um pouco mais de silêncio”, ponderei. Até que a redonda começou a roncar, virada pro meu lado. Tudo bem, já estamos chegando ao nosso destino, Criciúma. A rodoviária é iminente. A “viagem” está acabando e sinto que me fez bem: gosto um pouco menos de ônibus desde agora. Poderia ser um indício de recusa à pobreza? Quem sabe, pra dizer é cedo e agora é tarde: chegamos à rodoviária, preciso guardar o notebook. Ah, e sabe a gordinha aqui do lado? Acordou. Está abrindo um pacote de bala...

PS: Agora, com vocês, Virgulóides:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 10 de julho de 2012.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Me acordem daqui a três meses...

- Não está fácil pra ninguém, companheiro...
O friozinho está chegando, anunciando a chegada do inverno. E inverno que é inverno tem cara de dieta. De engorda. É feijoada, rabada, tainha assada, tutu, farofa de pinhão, camarão na moranga, macarrão ao alho e óleo, fondue, lasanha, chocolate quente, rodízio de pizzas e massas, churrasco, brigadeiro na panela, mingau, sopa com caldo gordo. Se você ficou com água na boca só de ler a última frase, percebe-se que tem uma pré-disposição natural a estourar o botão da calça jeans durante a estação mais fria do ano. Calma, gordinha. Calma.

Tem gente que gosta do inverno. Tem quem diga que é por causa das roupas, seria uma estação mais chique, mais europeia. Bobagem. O que me comove mesmo é fio dental na areia e sunga branca no calçadão da praia – cada um à sua forma, veneração e asco. Há quem diga que as festas são melhores. Serranos, de modo geral. Balela. Congelar em Lages para conseguir um punhado de pinhão não me faz a cabeça. E quentão me dá gases. Eu acho.

Mas o quente do inverno mesmo é o frio. Volta e meia alguém sai com essa, de preferir o inverno porque “gosta de curtir o friozinho”. Não posso com isso, juro. Mas como? Curtir friozinho embaixo de quatro cobertores, na frente da lareira, do lado do fogão a lenha?! Isso não é curtir frio, é matar saudade do calor!

Mas, vá lá, o inverno trás coisas muito agradáveis também. Como a gripe. Claro, nada melhor que um pouco de febre, coriza e inflamação na garganta para pegar umas folgas forçadas sem ter que mentir no atestado médico. Aliás, repouso é praticamente a única coisa que se faz na cama durante os dias gélidos da estação mais glacial do ano. Até porque tirar a roupa é sempre um parto e nem sempre é fácil equilibrar as cobertas... mas mudemos de assunto, já que talvez ainda não tenha passado das 22 horas durante a sua leitura.

Se ainda não deu para perceber, tenho pavor de inverno. Tudo fica mais difícil. Você trabalha completamente encasacado e mal pode se mover na mesa. As inseparáveis luvas são péssimas companheiras na hora de digitar qualquer coisa no computador e, por mais que se esquentem as mãos, aquela que fica no mouse voltará ao ponto de gelo em cerca de um minuto e trinta segundos. Levantar da cama é um drama. Tomar banho é um drama. Respirar na rua é um drama. Viver é um drama! A única atividade que não vira um drama no inverno é a atividade física. Mas esta já é um drama o ano todo...

Agora o que mais me incomoda, entre tudo o que me incomoda no inverno, é a maldita afirmação de que o frio é psicológico. Não sei quem foi o infeliz inventor desta besteira, mas, honestamente, espero que tenha tido uma morte lenta – isto porque não sou de guardar mágoas. Olha, se o frio é mesmo psicológico, eu devo ter sérios problemas mentais. Mas me conformaria com alguma psiquiatra quente. Que goste de curtir o friozinho, claro.

PS: Agora, com vocês, Djavan, é claro:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 19 de junho de 2012.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Um namoro para hoje

Senhorita Nicolete e eu. Te amo, Potchoco!
No Carnaval, brotam da terra solteiros fazendo piadinhas com quem namora alguém. É o tipo de gente que adora soltar algum comentário cretino por, teoricamente, estar livre e desimpedido para encher a cara e pegar a pessoa mais escrota da folia. Pois chegou a hora da desforra, comprometidos.

Hoje os engraçadinhos sumiram. Talvez seja vergonha, pelo fato de andarem fora da nova tendência da estação, que recomenda o uso de cobertores de orelha em casa ou na rua. Nos diz a Bíblia: “Bem-aventurados os que podem andar agasalhados, porque deles é o reino do sofá”. Ou quase isso. O fato é que namorar está na moda.

Mas tem que ser namoro sério, daquele com planejamento. Nem que seja pro fim de semana, o que for. Namorar sem perspectiva é como ficar numa balada. Você até troca uma ideia e uma saliva, mas não sabe se no outro dia realmente vai ter alguém do seu lado pra dividir o café da manhã e os problemas. Ou se vai ter alguém com que possa disputar quem desliga o telefone primeiro. Simplesmente, não dá.

É por isso que, quando namoro, é pra casar. Sempre tive esta postura. Sempre. Foi assim com as minhas cento e trinta e duas namoradas. Mas relacionamentos nem sempre dão certo, como bem se pode ver... O.k., não tive tantos relacionamentos amorosos e casamento, para mim, era tabu. Mas sabe quando o problema não são as outras pessoas, o problema é você? Pois é, aqui o problema eram as outras pessoas mesmo... Faltava encontrar aquele certo alguém que desperta o sentimento. Encontrei. Agora me pego volta e meia esquematizando esta coisa antiquada de filhos, casa com cachorro no quintal. Um “felizes para sempre” suburbano. Planejamento, é preciso planejamento!

Acredito que a melhor parte do namoro é a parceria. É ter a certeza de que alguém estará sóbrio para dirigir o carro depois da festa. É ter ao lado uma pessoa que pergunte como foi o seu dia, todo o dia. É poder dividir a raiva na hora em que o despertador toca às 6h30min. É poder dividir a alegria na hora em que você se lembra que é domingo. É saber que mais alguém está fulo da vida por você ter que trabalhar outra vez naquele feriado santo dos tapetes. Todo ano.

Namorar jornalista não é fácil. Geralmente estamos sem tempo pra ter tempo. A Polícia Militar te liga de madrugada. A Páscoa em família é interrompida por desastres aéreos. As folgas são escassas. As férias não têm previsão. Não há muito dinheiro pra sair e, quando se consegue pegar a estrada, sempre existe a possibilidade de algum criminoso decidir matar alguém em pleno fim de semana – que deselegante! Por aguentar tudo isso, congratulo a companheira que eu amo, a minha amiga e a minha amante. Todas as três. E antes que algum desavisado imagine bobagem, explico: a minha namorada é como a Santíssima Trindade. É três em um, a danada.

Se você ainda está solteiro por opção – dos outros –, imagino que adoraria ter um namoro para hoje. Mas não force a barra. Até porque é como dizem: o segredo é não correr atrás das borboletas. É embriagá-las. Ou quase isso.

PS: Agora, com vocês, Legião Urbana:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 12 de junho de 2012.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Joelhos, crianças e fraldas descartáveis

O milorde das fraldas, João Nicolete Bernardo
Domingo aconteceu o batizado do meu afilhado João Bernardo. Havia umas quinze crianças na igreja, mas no grupo apenas três meninos – o que indica um futuro promissor aos garotos. Meu afilhado, um milorde das fraldas, estava impecável. Do alto de seus sete quilos e trezentos gramas, prestava atenção a todos os movimentos da missa religiosamente. Pode até parecer prematuro, coisa de dindo, como se diz no Sul, mas a mim não restam dúvidas de que este sim vai ser um católico fervoroso: não o vi pronunciar uma palavra durante as duas horas de celebração.

João, filho da irmã da minha namorada e do seu marido – espera-se –, virou o encanto da família. Tem apenas quatro meses, mas é praticamente uma celebridade: até quando está dormindo vira o centro das atenções, numa infinidade de flashes para a posteridade. Na minha época, o comum era que os bebês tivessem álbuns de fotografia. João, não. João já tem um book, algo que só fui conhecer na primeira aula de inglês on the table. Os tempos são outros. Sinto-me ultrapassado. É como se um dia o moleque fosse me apresentar as fotos digitais antigas num tablet e eu, em contrapartida, fosse buscar as minhas xilogravuras...

Impressionante como tudo mudou desde quando eu era bebê. Nos meus tempos idos de guri, fralda descartável era artigo de luxo, muito luxo. O jeito era lavar no braço, no tanque – ou cocho, se você fosse do campo. Presente era só em data muito, muito importante, como em dia de aniversário ou Natal, e com um pouco de sorte. Sério: no meu segundo ou terceiro ano de vida, meus pais simplesmente não me contaram que no dia 29 de abril era meu aniversário, já que não tinham dinheiro pra comprar um presente. Pode parecer uma estratégia pouco nobre, mas até que me fez bem: obrigou-me a compreender o calendário o quanto antes.

Apesar das inevitáveis mudanças que promove o passar das décadas, certas coisas nunca mudam com o tempo. Continuamos a achar os bebês atuais mais espertos que os de antigamente, menosprezando a nossa própria astúcia. Ainda usamos aquela voz de Xuxa com cólica para nos comunicar com as crianças. Repetimos os mesmos gestos, incansavelmente, quando descobrimos alguma expressão que os faça soltar um sorrisinho de canto de boca que seja. Ficamos sensivelmente tocados por aquele cheirinho, aquela fragrância de bebê que só poderia mesmo sair de um ser com tão poucas glândulas sudoríparas. E babamos, bem mais do que eles conseguem babar com a mão na boca, por qualquer movimento ou façanha nova recém-aprendida.

Que os bebês são lindos não há dúvidas, mas isso vem com o tempo. Não importa o que se diga, aos olhos de um homem normal todo recém-nascido sai com cara de joelho. Ali há uma boca e um nariz, dois olhos e duas orelhas, mas, sim, é um joelho. Talvez a falta de sensibilidade se deva somente à falta da paternidade, condição que, de modo geral, amolece até os mais xucros. Sem filhos, ainda estou na fase da grossura. Mas acho até que poderia ser um pai divertido, desses que jogam bola pela casa infernizando mães... Por falar em mãe, a dos meus filhos eu já escolhi, um passo importante. Agora só falta a permissão do padre, a casa e o joelho. E fraldas descartáveis, por favor.

PS: Agora, com vocês, Trem da Alegria:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 5 de junho de 2012.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Oportunidades e afins

- Eu sou você, amanhã...
Dizem que Deus nunca fecha uma porta sem abrir o Windows. Ou quase isso. O fato é que a vida está cheia de situações com as quais não sabemos lidar muito bem, momentos difíceis em que duvidamos de nossa própria capacidade – quando não, até mesmo do próprio Deus. Ainda sobre o aspecto religioso, dizem também que o Senhor nunca nos concede uma cruz que não possamos carregar. Mas, sejamos francos: às vezes parece que Ele está de brincadeira.

Já acreditei que certas coisas só aconteciam comigo, frustrações de toda – má – sorte. São aqueles momentos de profundo silêncio e reflexão nos quais nos recolhemos aos pensamentos e, concluímos, a respeito de nossa própria existência neste plano: “devo ser cagado”. Mas, de fato, tal conclusão é precipitada: nada é tão ruim que não possa piorar. Acredite. Costumo comprovar minha tese quando algum herege a contesta – certa vez me perguntaram se existia algo pior do que uma sala de espera; pois existe: uma espera sem sala.

A verdade é que, na maioria das vezes, quebramos a cara ou por dar confiança, ou por manter esperança. Erros comuns. Tendemos a crer no próximo e, não raro, o próximo nos passa para trás, transformando-nos no anterior. O problema é que o cotidiano está cheio de sorrisos mentirosos, elogios mascarados e tapinhas nas costas. E, quando você menos espera, o tapinha vira chute. No traseiro! Por isso cuidado: só acredite na veracidade de um tapinha nas costas quando este vier no instante em que você estiver num restaurante, engasgado com o caroço de uma azeitona. E olhe lá!

Eu me relaciono com pouco mais de 1.400 pessoas no Facebook, gente que a rede social teima em nomear como “amigo”. Besteira. Amigo, amigo mesmo, desses que posso ligar quando tenho algum problema, eu tenho, no máximo, uns 20, o que já é um número consideravelmente grande. Tenho uma escala no mínimo curiosa para conferir o grau de amizade: costumo medir pelo nível de xingamentos proferidos durante a conversa. Quanto maior o número e a gravidade das ofensas que posso dirigir ao meu interlocutor sem medo de perder o seu afeto, mais brother ele é. Só não exemplifico um diálogo aqui porque, afinal de contas, esta coluna é de família.

Retomando: são estas 20 pessoas, mais a minha família, que são dignas de minha confiança em plenitude. Do resto posso esperar de tudo. De uma entrada na lista dos 20 a uma punhalada no lombo em forma de tapinha nas costas. Tal precaução é necessária para evitar futuros contratempos ocasionados, de modo geral, pela esperança. Nem sempre nos lembramos de manter a guarda levantada, mas volta e meia um gancho de direita bem aplicado nos revela que, sim, ainda estamos no meio da luta.

E a luta continua. Seja no ringue ou no octógono. E se há uma coisa que aprendi nesta vida, é que o mundo não para de girar quando fico triste e deprimido. Até mesmo porque costumo beber nestas ocasiões... Enfim. O conselho que gostaria de deixar na coluna de hoje é que, quando você achar que está à beira de um precipício, lembre-se: keep calm and carry on.

PS: Agora, com vocês, Pouca Vogal:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 29 de maio de 2012.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Bodas de Brilhante

Amor verdadeiro nem Alzheimer apaga!
Sábado, ao meio-dia, eu tive a felicidade de acompanhar uma festa de Bodas de Brilhante. O casal, o seu Pedro e a dona Doda, comemorava 75 anos de matrimônio. Exatamente: 75 anos. Familiares próximos estavam receosos em organizar a celebração. O medo era geral, por motivos óbvios: corria à boca miúda que o casamento daqueles dois podia não vingar. Mas, pelo menos até a festa, ocorreu tudo bem na relação.

Difícil mesmo foi comprar o presente. A dúvida era justamente o que dar a um casal que completava 75 anos de casamento. Minha namorada e eu prejulgamos que, neste meio tempo, os dois já haviam conseguido completar o enxoval. Na dúvida, uma neta ajudou com alguns toques. Problema resolvido, fomos à festa.

Como toda noiva que se preze, dona Doda era só sorrisos. Já seu Pedro, como não poderia deixar de ser, estava com aquele compreensível olhar de quem entrou para a forca há 75 anos. Nada mais natural. Enquanto recebia os convidados, a mulher gabava-se de que os pombinhos jamais brigaram durante o casamento. Seu Pedro não contestava a esposa, o que, de certa forma, também explica o saldo.

A celebração foi muito bonita, com alguns familiares agradecendo pelo convívio com o casal. Um diácono – um quase padre, digamos – foi quem conduziu a benção das Bodas de Brilhante. Para espanto geral, ele não repassou nenhuma dica aos noivos, o que, entendia-se, poderia prolongar a união por mais tempo. Mas ainda assim, deixo aqui registrado o desejo de que este matrimônio dê certo, afinal.

Terminada a celebração, corri para a calculadora e descobri que o casamento do seu Pedro e da dona Doda aconteceu em 1937. Para se ter uma ideia, meus avós não haviam nascido. O presidente era o futuro suicida Getúlio Vargas. O Papa era Pio XI – já passaram seis depois dele. A moeda corrente era o mil-réis. O Fusca era apenas um protótipo, com 30 modelos fabricados. Não havia Miss Brasil. A seleção só ganharia uma Copa do Mundo 19 anos depois. Dercy Gonçalves era gostosa. O Ermo não existia.

O seu Pedro e a dona Dona tiveram quatro filhos. Pouco, relativamente, já que o padre deu a benção e liberou a festa há 75 anos. Pelos meus cálculos, dá para repetir o Kama Sutra 312 vezes neste meio tempo – a estimativa desconsiderou as supostas dores de cabeça da dona Doda e, obviamente, “aqueles” dias. Na média, o casal teve um novo filho a cada 18 anos e nove meses, o que demonstra certa prudência: antes do primeiro ano de faculdade quitado, nada de abandonar a tabelinha.

A expectativa de vida está cada vez mais alta, mas hoje casa-se cada vez mais tarde; por isso, penso ser difícil, atualmente, atingir a marca do seu Pedro e da dona Doda. De todo modo, o que fica de lição é que o casamento, instituição por vezes dada como falida, pode perdurar por muitos anos quando existe respeito, quando existe cumplicidade e quando o marido não contesta a mulher. Se continuar neste ritmo, tenho certeza de que o seu Pedro e a dona Doda ainda vão muito mais longe. Sei lá, Bodas de Oscar Niemeyer, talvez. Mas já estão de parabéns.

PS: Agora, com vocês, um tributo ao amor:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 22 de maio de 2012.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Mamãe querida...


Sempre disse que minha mãe era um anjo... *----*
Ô, mããããããããããe! É assim que a gente chama mãe. Nada dessa coisa curtinha: mãe. Mãe é com dez a’s acompanhados de til. É desespero. É aflição, é angústia, é cólera... Pode até ser nada, mas estamos tão acostumados à entonação do pavor que acaba saindo desse jeito sempre. Pra tudo. Ô, mããããããããããe, vem me limpar. Ô, mããããããããããe, vem me buscar. Ô, mããããããããããe, cadê meu tênis? Ô, mããããããããããe, acabou o papel... Aí quando a mãe não está por perto o jeito é apelar para o pai. É, o pai, aquele homem responsável pela fecundação que, na teoria, existe para dividir as tarefas com a esposa, que está ali para suportar os desafios da criação dos filhos lado a lado com a mulher. Aí você pensa... Pensa... E grita, desesperadamente, para o pai: ô, pai... Cadê a mããããããããããe!?

A relação entre mãe e filho é a coisa mais intensa que pode existir. Isso, sem contar, que é o sentimento mais antigo e duradouro. Eu mesmo conheço a minha mãe desde que nasci. Juro: sem medo de ser exagerado, sinto que nossos destinos foram traçados na maternidade – na dela, no caso.

Quando era pequeno, lembro que acordava algumas vezes durante a madrugada, assustado. A primeira coisa que fazia, lógico, era chamar pela minha mãe... Quando ela não atendia – já que ninguém é palhaço de ficar acordando toda noite –, me escondia debaixo da capa protetora que chamam popularmente de cobertor. Até a cabeça. Lá embaixo, protegido, eu pensava: PQP, cadê a mããããããããããe!? Sei que ela não aparecia para que eu encarasse meus medos de frente – ou talvez a tinhosa só estivesse dormindo feito pedra, verdade, mas com certeza me ajudou a amadurecer.

Costumava passar as férias na casa de praia da minha avó. O itinerário era o seguinte: banho de mar pela manhã, banho de lagoa à tarde, dor de ouvido no outro dia. Era batata. Já saia de casa com aquelas gotinhas milagrosas que se costumava pingar indiscriminadamente nos ouvidos. Mas não adiantava, porque eu só melhorava quando era a minha mãe que gotejava. E sabe o que isso significa? Significa que sempre fui fresco.

Não se engane, jamais fui dado a dar: minha frescura sempre foi máscula. Mas, filho único que sou, era fresco. Lá pelos três anos de idade só dormia cheirando a mão da minha mãe. Se antes ela havia cortado cebola, pedia pra lavar. E sabe o que é pior? A danada lavava. Mamãe é só amor.

Mentira, mamãe também era linha grossa. Uma vez me viu brincar com a chama de uma vela e pôs um dos meus dedinhos no fogo só para que eu aprendesse a ser ladino. Moral da história: nunca tive queimaduras pelo corpo nessa vida. Noutra vez, prometi que chegaria às cinco horas da tarde em casa, mas fiquei batendo bola na rua até às sete: foi a última vez que vi minha orelha esquerda. Moral da história: nunca me atrasei para uma reunião no trabalho.

Conselheiros tutelares, por favor: não tratem qualquer uma destas linhas como denúncia. Até porque provavelmente vocês apanharam muito mais do que eu na infância e sei que ainda amam as suas mães com toda força. Hoje pode parecer absurdo, mas naquela época o Congresso ainda deixava que os pais dessem algumas palmadinhas nos filhos, lembram? Por isso levei algumas bordoadas.

Só lembro de ter apanhado pra valer da minha mãe uma vez: chamei a senhora que ajudava na limpeza lá de casa de “puta fofoqueira”. Minha mãe ficou sabendo, o que de certa forma comprovava a minha tese, mas não houve perdão: estava tomando banho quando ela chegou, e a Havaiana cantou na minha bunda molhada. A água deve potencializar algum componente da Havaiana, juro, porque aquelas chineladas doeram pra valer, Jesus! Depois minha mãe ficou com pena e veio me abraçar... Nunca mais ofendi a puta fofoqueira. Em tempo: desculpe, mãe, guarde já esta Havaiana.

Toda pessoa normal viu – e reviu – Chaves no SBT. Lembro que num episódio, no Festival da Boa Vizinhança, Kiko tenta declamar um poeminha para as mães. “Mamãe querida, meu coração por ti bate...”. Chiquinha e Chaves nunca deixaram que ele completasse o verso. Mas precisava algo mais? Sinceramente, penso que não. O coração de um filho, por uma mãe, bate. Bate e pronto. Bate, inclusive, por conta e culpa dela. Então só posso dizer obrigado: obrigado pelo coração que um dia você me deu e que, na verdade, sempre foi seu, mãe.

PS: Agora, com vocês... Kiko:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 15 de maio de 2012.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Dia da Sogra


Sogra: cuidado, mantenha distância
Hoje resolvi falar de uma pessoa muito importante para as nossas vidas. Não é amiga, não é parente, sequer é necessária, mas está sempre por perto. Sempre. Nas horas boas, e nas horas más que ela mesma cria. É uma pessoa que entra na sua vida sem pedir licença, acompanhando outra que você escolheu para si, como se fosse um brinde. É, um brinde. Como aquele boné que você ganha no posto de gasolina, aceita por educação, mas sabe que não tem serventia alguma na casa. Estou falando da sogra.

Resolvi falar das sogras ao descobrir que algum ladino decidiu dedicar um dia do ano para elas. Pois o tinhoso escolheu justamente o 30 de abril para isto, um dia depois do meu aniversário. Ou seja: até no calendário a danada me persegue. De começo foi um choque, mas já me recuperei. Afinal, se existe até mesmo o Dia do Cão, em 4 de outubro, por que não criar um dia para a jararaca? Acho justo.

Felicidade estampada ao ver o genro
Se a mulher foi feita da costela do homem, a sogra deve ter saído do calcanhar, já que vive pisando no seu pé. A verdade é que a mãe da sua esposa tem a força de uma rocha, mas está mais para uma pedra no sapato: é ela que tem o conselho certo para abalar qualquer casamento. E não precisa nem se dar ao trabalho de aconselhar, basta sugerir. “Cerveja com os amigos em plena terça-feira? Hmmmm...”. “Então ele foi para o futebol com os colegas de trabalho e você ficou sozinha em casa? Hmmmm...”. “Você já viu aquela nova secretária dele, a Shirley? Aquela loirinha de 18 anos, toda bonit... Ah, ele ainda não falou nada sobre a Shirley? Hmmmm...”. Coisas de sogra.

Sogra é aquela mulher que pergunta quando você vai encontrar um emprego melhor, que pague algo decente. Sogra é aquela mulher que põe em você a culpa pelo fato de a sua esposa ter engordado ou emagrecido – o que você anda aprontando com a filha dela, cretino? Sogra é aquela mulher que chega sem avisar e que fica sem previsão de partida. Sogra é aquela mulher que empata você sabe bem o quê. Certa vez ouvi um conselho que agora compartilho: não more perto o bastante para que a sogra o visite de chinelos, nem longe o bastante para que a sogra o visite com as malas. Fica a dica.

Sogra conversando de perto com Adão
Mas, verdade seja dita, nem todo homem é frequentemente perturbado pela sogra. O Adão, por exemplo. Há indícios de que ele vivia com a mulher em uma região belíssima, de água pura e cristalina, de verdes matas e clima agradável. O local era perfeito, chamavam até de Paraíso. Foi quando a mãe de Eva apareceu com algumas maçãs. Reclamou das roupas que eles usavam, pôs defeitos na casa, e marido e mulher se afastaram por uns tempos. Incomodado com a perturbação do sossego de outrora, o dono da propriedade resolveu despejá-los. Mas para não criar clima, que aquele Senhor não era disto, ofereceu a Adão e Eva um espaço em outro loteamento, mais afastado, menos nobre, chamado de Terra. Só tinha uma condição: o casal precisava levar a mãe da Eva, que lá pelas bandas do Paraíso já havia sido apelidada de Cascavel. O resto da história a gente já conhece e termina no dia 30 de abril. Parabéns, sogras.

PS: Agora, com vocês, Bezerra da Silva...



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Semana News em 2 de maio de 2012.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Um ano a mais ou a menos?

Eu nasci em 29 de abril, Dia Mundial das Associações Cristãs Femininas. Você pode até não ter se dado conta, mas sabe o que isso representa em minha personalidade? Nada, absolutamente nada. Mas ainda assim é o dia do meu aniversário.

Estou a uma semana de completar mais 365 dias – escrevo a coluna aos domingos – e me pergunto: tenho um ano a mais ou um ano a menos? Não soube me responder. É fato que tenho mais tempo de vida, mais conhecimento, mais contas e credores. Em contrapartida me restam menos anos, menos prazo para realizar sonhos antigos, menos cabelos. Pode parecer um questionamento precoce, afinal completo 23 anos no próximo fim de semana. Mas a expectativa de vida no Brasil é de 73,5 anos, ou seja: na metade do próximo ano terei completado, tendo por base esta perspectiva, um terço da minha jornada. E sabe o que fiz até aqui? Praticamente coisa nenhuma. Apenas sai das fraldas.

O.k., o.k.: terminei a escola, me formei numa faculdade, juntei um punhado de bons amigos ao longo dessa vida e convenci uma linda descendente de italianos que sabe fazer tortellini a namorar comigo, então não posso reclamar da esfera pessoal. Aliás, com os quilos que ganhei durante a faculdade, eu mesmo virei uma esfera, pessoal. Mas estou trabalhando na silhueta.

No campo profissional também tive minhas conquistas. Comecei como empacotador de balas. Sei que é difícil imaginar um gordinho respeitando o estoque, mas levo trabalho a sério. Em seguida virei auxiliar-faz-tudo numa empresa que instalava placas e adesivos, função pouco recomendada a alguém que tenha medo de altura – sim, tenho pavor. Lembro-me que foram tempos difíceis, nos quais me reencontrei com Deus: era subir no andaime para a reza começar. Fiquei neste emprego poucos meses, já que logo depois me tornei empacotador de supermercado! Já na faculdade virei repórter, e regredi na vida...

Não sou do tipo pessimista. Sei que ainda tenho mais de dois terços de vida pela frente – e são, claro, os mais importantes. As perspectivas são muitas. Até porque odeio aquele papo de “estou velho demais para isto”. Algumas pessoas cismam em deixar os anos passar inertes; sempre há alguma boa (?) desculpa para não recomeçar, não voltar a estudar, não arrumar os dentes. Acabo de ver a seguinte manchete num site: “Emerson Fittipaldi, 65 anos, mostra talento ao estrear no wakeboard”. O Emerson Fittipaldi, minha gente, poderia estar sentado na cadeira de balanço fazendo tricô ou jogando bingo... E talvez você até devesse, Emerson. Mas esta é a prova de que nunca se é velho demais para começar qualquer coisa que seja.

Minha preocupação, caso ainda não tenha ficado claro, é a seguinte: fiz muitas coisas até aqui, mas nada que deva ficar para a posteridade. Dizem que ao longo da vida devemos plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Um terço de existência praticamente completado, até o momento só cultivei no fundo de casa um pé de mamona, que já foi derrubado; criei um blog e arduamente trabalhei, com suor e látex, para ter filho algum. Analisando agora, parece que luto para não ser lembrado. Mas espero ser, ao menos pelos meus. Se serei, ainda não sei, mas já estou sem linhas e preciso encerrar os devaneios. E hoje quero acabar diferente: prefiro construir meus textos sozinho, mas é meu aniversário e vou me presentear com uma frase do Carlos Castelo, genial, que li nesse domingo. “O futuro a Deus pertence. E o passado, adeus”.

PS: Agora, com vocês, John Mayer...



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 24 de abril de 2012.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Os tempos de escola

Terceirão B do MGP em 2006; saudade
Os tempos de escola são, provavelmente, os melhores anos que você já teve e nunca mais vai ter. Lá você conhece as pessoas mais incríveis da sua vida. Lá estão os piores valentões prevalecidos que os homens vão encontrar. Lá estão as maiores vagabundas com quem as mulheres vão concorrer. É a escola, e tudo o que acontece na escola, que vai definir o quão preparado você está para a vida. E é na escola que essa sua vida atual começou a ser definida. Lembro que até nos falaram isso, mas na época ninguém acreditava naqueles velhos caretas...

Algumas das maiores lições que já tive aprendi na escola. Exemplos: na
Organizador de muvuca since forever
5ª série, jamais deixe de emprestar a borracha para o aluno tatuado repetente há quatro anos – é sério. E se você arranjar uma briga saiba que não importa o tamanho do seu oponente, apenas dê o primeiro soco e tenha certeza de que pode correr mais do que o outro. Não dê o primeiro soco caso ele tenha uma gangue. Não corra se você sabe que ele vai te alcançar – acredite, é pior. E por último: não arranje brigas na escola.

A maioria das primeiras experiências você acaba tendo no colégio: a primeira vez longe dos pais, a primeira prova, a primeira vontade
Escola: tempo de muita dúvida e cabelo
incontrolável de mijar sem poder sair da sala, o primeiro beijo. Ah, o primeiro beijo! Aquela sensação horripilante de ter outra língua que não é a sua dentro da boca... As garotas nesta época já ficaram “mocinhas” e os meninos já descobriram que “pegar”, sem contar para os amigos, não tem a menor graça.

À medida que o tempo passa e as crianças vão crescendo, meninos e meninas começam a se dar melhor; antes, elas eram apenas um grupo de frescas. É quando acontecem as primeiras atrações sexuais. E lá está a escola fazendo o seu papel: mostrando fotografias de gonorreia e
Prova da Thabata: consulta amiga
cancro mole para controlar a garotada. Mas nem tudo é terror: lembro-me de uma professora colocando camisinha numa banana. Eu tinha 12 anos, e aquele foi o momento mais erótico de minha vida até ali.

Você sabe, eu sei, e não serei hipócrita em minha própria coluna: é na escola que toda pessoa tem a sua primeira experiência com as drogas. Hoje eu posso falar disto com liberdade, pois já estou limpo desde o fim do Terceirão: a partir dali nunca mais tive contato com a Matemática, a Física e a Química. Aliás, o grande barato do vestibular é poder escolher só o que você quer fazer – e exatamente por isso a tarefa é tão difícil. Decidi fazer Jornalismo no último dia de inscrição.
Aqui ainda não conhecia meu futuro piso
Sério, eu simplesmente achava que tinha vocação para tudo – ou, vexame, para nada. Minha outra opção naquela época era ser professor de História. Passei nos dois vestibulares e defini a minha vida; aos 17 anos, se abriram dois caminhos para eu ser pobre e fiquei com um deles.

Se você já saiu da escola, não tem mais jeito. Pode ter aproveitado os melhores anos da sua vida de forma útil ou desperdiçado seu tempo rindo dos nerds que hoje lhe oferecem emprego. Caso ainda esteja numa, parabéns: você ainda pode ficar milionário ou passar o resto da
Último dia na escola; saindo escoltado
vida trabalhando no Bob’s. Se ainda estiver, curta o momento: passa rápido. Trate bem as tias da merenda. Venere os sábios e mal pagos mestres. Jamais falte às aulas, você vai sentir falta depois. E aproveite o máximo possível o tempo com os seus melhores amigos. Acredite, não importa quantas promessas vocês façam uns aos outros, eles vão sumir. Agora, se eu pudesse dar uma dica, apenas uma dica mesmo, diria o seguinte: nunca deixe de emprestar a borracha.

PS: Agora, com vocês, Toquinho, é óbvio...



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 17 de abril de 2012.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Vontade de meter o pau

Vez em quando todo mundo precisa dar uma metidinha. Eu, você, o português da padaria. E hoje acordei com vontade de meter o pau mesmo. Mas não me entenda mal, por favor. Só quero colocar ou pau – ou até mesmo o dedo, que seja – na política, na corrupção, no errado da vida. Enfim, hoje decidi mudar o mundo. E pra conseguir mudar a direção dos caminhos da humanidade nada melhor do que fazer um texto no conforto do lar, bebendo Coca-Cola. Esta é a primeira lição que todo grande revolucionário aprende. Então avante, guerreiro!

Já estou cansado de ver tudo errado e decidi dar um basta: marquei consulta com meu oftalmologista. No mais, estou farto de certas situações rotineiras que passamos a enxergar com naturalidade. Estou morando em Criciúma e por aqui o diferente é quando ninguém é morto durante a madrugada. O que é isso, companheiro? Mas que cidade de Deus é essa? Ó paí, ó! Talvez eu seja apenas um rapaz latino-americano – sem dinheiro no banco, com certeza – que veio do interior e ainda não se adaptou a uma cidade maior. Mas é que em Araranguá a coisa era bem mais tranquila: lá só tinha homicídio a cada dois dias.

Reclamação e política são sinônimas – e no campo político a grama também já virou lama: um lamaçal danado. Em Brasília, se gritar pega ladrão só fica mesmo o Demóstenes Torres. Ficha limpa? Nada, cara de pau. Quem já enganou a sociedade por tanto tempo não se custa a encenar por mais um ato. É que a gente ainda não entendeu, mas a lei do capitalismo no Distrito Federal é diferente: lá é receber do povo e pagar de santo. E caso alguém tenha qualquer dúvida basta fazer uma consulta nos nossos anais. Colocam tudo lá.

Mas o que mais me revolta mesmo, mais me revolta mesmo, é pessoa querendo discutir piada. Tenho pré-disposição ao humor e sofro com isto. Sabe aquele tipo de gente sem graça e sem sal que vive dizendo na Páscoa que coelho não bota ovo, que questiona o papagaio falante do conto, que pergunta se realmente achamos que todos os portugueses são burros? Poxa, será que realmente ainda é necessário provar? O.k., o.k.: coelhos não põem ovos, papagaios não formam frases longas ou ligam para tele-sexos e portugueses não são burros. Vocês têm razão. Pronto, derrotaram o humorista. Agora durmam com um silêncio destes! E só peço uma coisa aos chatos de plantão: não me chamem caso acordem. Estarei debatendo Marx com o Louro durante toda a madrugada...

Profissão repórter

Dia 7 de abril, sábado, foi o Dia do Jornalista. E você pode até não saber, mas convive – ou conviveu – com a melhor jornalista que o mercado já produziu: a sua mãe. Mãe te informa sobre os afazeres da casa, te passa os contatos de toda a família, agenda as consultas médicas, te assessora com a lavagem da roupa e ainda te deixa a par da previsão do tempo. Mãe é um jornal completo, que sai (da cama) todo dia bem cedinho e que nunca atrasa. Mãe só não tem caderno de esportes, mas aí contrata um pai para estagiar...

Jornalista que teve pais éticos só entrega verdades. Não se esqueça de no futuro agradecer os meus, sociedade.

PS: Agora, com vocês, Zé Geraldo, voltando ao tema inicial da curta coluna...



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 10 de abril de 2012.

terça-feira, 3 de abril de 2012

As nossas reinvenções

Tudo novo de novo...
É incrível a capacidade que o ser humano tem para se reinventar. Você e eu já nos reinventamos centenas de vezes. Niemeyer, milhões de vezes. E sempre que as coisas começam a dar errado a gente acredita que logo tudo vai dar certo. E dá, com fé, força e trabalho – a menos que o seu nome seja Murphy: nestes casos, a fila ao lado sempre é mais rápida, toda partícula que voa encontra um olho e o salto alto pra ser bonito tem que machucar (muito) o pé.

A capacidade que temos para nos reinventar está diretamente associada à nossa inclinação à esperança, que por sua vez só existe em razão do tic-tac. Não, eu não fumei nada antes de começar a escrever esta coluna. Mas perceba: quem teve a ideia de dividir a vida em frações é um gênio. Criou junto com o tempo a bendita esperança, sentimento impossível de existir caso não houvesse relógio e calendário. Porque se o seu minuto não está bom você acredita que o próximo vai ser. Se a manhã é estafante, a tarde vai ser tranquila. Se um dia foi horrível, o seguinte vai ser ótimo – a menos que o próximo seja segunda-feira, mas aí também já é brincadeira.

Mar: cenários de diversos recomeços
O ápice da esperança motivada pelo tempo é o Ano-novo. Já começa pelo nome: a virada. É o dia da mudança, do recomeço, de prometer dieta. E tentamos nos reinventar novamente com codinomes babacas como “Eu versão 2012”, como se atualizássemos nosso sistema operacional-sentimental-racional embutido. E a primeira mudança drástica na vida é separar os álbuns do Facebook por fases: é o “2011”, o “2012”, o “Faculdade” e o “Escola” – a exceção é o batido “Tudo junto e misturado”, mas tem gente que é desorganizada mesmo.

De fato, mudar pode ser bom. Eu mesmo estou mudando – de casa, no caso –, saindo da barra da saia da mãe e de baixo das asas do pai. Alguns anos atrás, na adolescência, eu achava que ficar longe deles seria garantia de liberdade pra mim; hoje, percebo que vai ser para eles. A sós vão se libertar das músicas do Iron Maiden, terão menos papéis com entrevistas espalhados e nenhuma pessoa caminhando pela casa de madrugada ou dormindo com a TV ligada e o notebook em cima do peito. Enfim, todos os benefícios de um lar sem filho jornalista. Sem contar que vão poder recordar do tempo de namoro fazendo estripulias em cima da máquina de lavar roupa. Não que eu queira saber, é claro.

Inove, djow!
Mas a verdade inevitável é que só mudar não é garantia de versão melhorada. Se reinventar pode ser bom ou mal, tudo vai depender dos novos rumos que você quer dar à vida. Eu poderia lagar o Jornalismo e entrar para o mundo do crime ou começar a me prostituir, por exemplo, e não seria uma mudança boa. No orçamento, talvez, mas eu teria que reduzir a minha expectativa de vida num caso e aprender a botar camisinha com a boca noutro. Não vale a pena.

A vida é cheia de vírgulas e reticências, já que temos dificuldade em usar pontos finais. E toda mudança requer um novo capítulo ou pelo menos um novo parágrafo, que começa a ser escrito quando você, o autor, bem entender. Mudar de linha nem sempre é fácil. Mas pode valer a pena caso você pense muito bem no que vai por no papel. A única recomendação é: tenha cuidado com a sua história.

PS: Agora, com vocês, 30 Seconds To Mars.



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 3 de abril de 2012.

terça-feira, 27 de março de 2012

Sobre animais de estimação

Eu sempre quis ter um pinto. Desde pequeno, queria ter um pinto. Não me entendam mal, mas pra mim o bicho é engraçadinho. Acho até que foi influência da Edna. Edna era uma moça que trabalhava na faxina lá em casa e chocava ovos de galinha no sovaco, uma graciosidade. Lembro-me que ela tinha porte pequeno, fumava e ostentava várias tatuagens pelo corpo. Enfim, o padrão que se procura numa empregada.

A Edna, essa que chocava ovos de galinha no sovaco, morava perto da minha casa, nos fundos do terreno de uma vizinha que tinha um macaco. Você agora pode estar pensando que fui criado em meio a uma tribo massai no Quênia. Não. Este cenário tão absurdo quanto real é a boa e velha Araranguá dos anos 90. Não me recordo com clareza daquele macaco da vizinha, mas ainda sei que o adorava. Pelo que me recordo, o primata teve que ir embora. Houve algum problema com outros vizinhos, uns bananas.

Cresci com animais em casa. Não, não estou falando de meus pais – até porque a adolescência já passou... Lá em casa já tivemos cachorro, gato, peixe e um papagaio criativamente chamado de Louro, um bichinho bacana criado livremente, mas com um vício terrível em tele-sexo. O.k., a parte do tele-sexo é mentira.

Meu pai e eu sempre adoramos animais, especialmente cachorros vira-latas, mas minha mãe nunca foi muito fã. A verdade é que ela não teve experiências boas com os cães que passaram lá por casa, apesar de todos terem sido muito prestativos: recolhiam as roupas do varal, informavam com as unhas que as portas estavam fechadas, defecavam na casa para não sujar o pátio. Até hoje nos perguntamos por que não deu certo.

A minha sogra tem uma cadela muito simpática, a Bilu. A Bilu é uma mistura clássica de Street Dog com Jaguara, coisa mais linda. É a guardiã da casa, desde que não haja fogos de artifício ou chuva, trovões e relâmpagos: nestes casos, é a primeira a abandonar o barco. Encurtando conversa, é uma cagona.

Além da Bilu, minha sogra agora deu pra andar pra cima e pra baixo com uma galinha. A danada já tem até nome: Matilda. Penso eu que a galinha da minha sogra – sem trocadilhos com a família, por favor – é um ser raro da espécie: nunca vi bicha tão feia de magra. Atualmente há uma grande polêmica na casa, pra saber se a Matilda vai ou não parar na panela. A votação continua e a chocadeira já está no paredão: é que montaram um galinheiro pra sem carne ao lado do muro.

O fato é que um animal sempre movimenta o lar e é preciso estar preparado para recebê-lo. A Matilta, por exemplo, tem feito todos acordar às cinco horas da matina por conta do cacarejo. Não que o canto seja muito alto, mas ninguém consegue dormir com a minha sogra caminhando pela casa: é que ela vai até a galinha fazer “shhhhhhhh”. E a Matilda obedece, garante. Viu o trabalho? Pois é. E nem todo mundo tem a consciência, ao comprar um animal, de que aquele bichinho vai precisar de atenção – e que, ao contrário de Jesus Cristo e dos não menos gloriosos Tamagotchi, eles não ressuscitam após os maus tratos.

Aliás, você já parou pra pensar no termo “animal de estimação”? Animal de estimação é todo e qualquer bichinho pelo qual você tenha algum apreço. Não basta apenas ter o animal: é preciso cuidar da criatura. Tem gente com bicho em casa que não tem a mínima estimação pelo infeliz. É o tipo de pessoa no qual – penso eu – não se pode confiar. Lembra da Edna, a empregada do começo da conversa? Ela podia ser meio estabanada, não ter uma aparência exatamente boa, ser aquela mulher que você não colocaria pra limpar a casa pelo estúpido estereótipo que procuramos em todo mundo. Mas a Edna cuidava de seus pintos com estima. E de mim com afeto. Era o que bastava. E você, que é “normal”, o que faria pela vida de um pinto? Responda a si mesmo.

PS: Agora, com vocês... Gugu Liberato!



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 27 de março de 2012.