Ônibus, confesso que ainda gosto. Um pouco |
Não nasci em berço de ouro, mas também não cheguei a ser gerado numa manjedoura. As contas lá de casa sempre foram fechadas com sacrifício, mas nunca faltou comida na mesa – nossa toalha estampada com frutas às vezes resolvia. A verdade é que nunca passei fome. Só meus pais.
Enfim, quando era menino, pensava que podia ser o que quisesse. E talvez pudesse mesmo, mas a cada novo dia fazemos escolhas, e estas opções involuntariamente afunilam as perspectivas. Ao me descobrir heterossexual já não podia mais ser travesti, por exemplo. Ao não prestar atenção nas aulas de Biologia, já não tinha mais como descobrir a cura de um câncer. E ao prestar vestibular para História e para Jornalismo já não podia ser rico. Mas era algo sem volta: todos os testes vocacionais apontavam para a pindaíba.
O que mais me assusta, neste momento, é lembrar que sempre gostei de andar de ônibus. Me parece que a propensão ao bolso vazio já vinha de antes. Me recordo que a possibilidade de dar uma voltinha num coletivo era caso de muita celebração. Também amava o fato de minha mãe trabalhar numa empresa de ônibus. “Mulher de sorte”, pensava, aos seis. Ela era – e é – tesoureira da companhia. Num primeiro instante, imaginei que seria a minha mãe a responsável por costurar a roupa dos motoristas. Foi decepcionante saber da verdade, mas com o tempo me conformei: de certa forma, como tesoureira, ela também evita que os funcionários andem pelados no começo do mês.
Mas retomando: o fato é que não há o menor motivo para gostar de andar de ônibus – e escrevo esta coluna dentro de um. Em Florianópolis, embarcaram cerca de 25 passageiros. Na fila de poltronas ao lado, uma gordinha trata de manter o peso: não para de fuçar pacotes barulhentos. A roliça já comeu bolacha, chips, Bis e jujuba. Uns cinco bancos à frente, uma mãe tenta, sem sucesso, fazer um bebê parar de chorar. O danado só deu uma pausa no lamento perto do posto policial. Deve ser respeito. Fora este trecho, a gritaria é intensa. Gostaria de encontrar um meio para ajudar a cessar o choro da criança, mas até agora só cogitei o estrangulamento. Sei que nem sempre este tipo de ajuda é bem visto.
Para se abancar nos últimos lugares do ônibus, entraram um jovem senhor e sua companheira, uma adorável senhorita com batom e barba mal feita. Deve ser mais forte do que eu, o elemento, típica pessoa que faria o Ronaldo estremecer. Juro que estou seco por um copinho d’água, mas sussurros e sons de beijo vindos da poltrona final têm me dado calafrios. Entre ficar sentado e saber o que acontece naquele fundo – entenda como quiser –, prefiro a sede.
Paramos em Tubarão, mas pelo visto só desceram as pessoas normais. Faz uns trinta quilômetros que a gordinha dos pacotes dormiu. “Um pouco mais de silêncio”, ponderei. Até que a redonda começou a roncar, virada pro meu lado. Tudo bem, já estamos chegando ao nosso destino, Criciúma. A rodoviária é iminente. A “viagem” está acabando e sinto que me fez bem: gosto um pouco menos de ônibus desde agora. Poderia ser um indício de recusa à pobreza? Quem sabe, pra dizer é cedo e agora é tarde: chegamos à rodoviária, preciso guardar o notebook. Ah, e sabe a gordinha aqui do lado? Acordou. Está abrindo um pacote de bala...
PS: Agora, com vocês, Virgulóides:
Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 10 de julho de 2012.
kakakakakakakakaka
ResponderExcluirRe. Todo mundo já disse. Ganhar dinheiro é só querer, vai pro CQC!
Ainda não descobri se o humor é realmente o meu forte, Lorraine. Mas com certeza não é o dinheiro... ;D
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