terça-feira, 27 de setembro de 2011

Rock in Casa

Claudia Leitte e toda a sua... simpatia
É lógico que eu gostaria de estar na primeira fila, especialmente para ver Claudia Leitte, Katy Perry e Rihanna. Não que eu ame axé ou música pop, repare bem no verbo empregado: ver. É lógico que eu também gostaria de estar na primeira fila para ouvir – agora sim: ouvir – Paralamas do Sucesso e Titãs, Capital Inicial, Red Hot Chili Peppers e Metallica. Mas como é bom acompanhar o Rock in Rio de casa.

Não tem filas. Não tem empurra-empurra. O banheiro é limpo e você pode até – glória máxima – sentar-se no vaso sanitário dependendo dos trabalhos a fazer. Não tem gente suada esfregando o bracinho no seu. Também não tem logo atrás um negrão de 1,90 metro chamado Átila encostando o corpo inteiro no seu, mas nem tudo é perfeito. Saudades, Átila...

Brincadeira. Jamais conheci um homem de 1,90 metro chamado Átila. Até porque ele nunca me ligou no dia seguinte, e este tipo de gente eu prefiro esquecer...

O.k., agora é sério. O maior evento de música em que fui até agora, nesta minha curta passagem pelo universo, foi o Planeta Atlântida do Rio Grande do Sul – que tem apenas a metade do tamanho do Rock in Rio e já é algo imenso. No meio da multidão que se aglomerava para ter a melhor visão do palco, vi um homem urinar livremente a três metros de mim. Banheiro muito longe, não queria perder o lugar, sabe como é. Ao tocar o chão o líquido saído daquele corpo imundo, os respingos pegaram na perna de uma menina. Pensem em alguém que ficou pa-ssa-da – estou falando dela, chega de viadagem para o meu lado na coluna de hoje. Fazer o quê?

Rihanna no momento tapinha não dói; Chris Brown é passado
É este tipo de coisa que acontece quando se reúne em um mesmo local dezenas – no caso do Rock in Rio, centenas – de milhares de pessoas e lhes oferecem cerveja. É preciso muita calma com os sem noção, porque você vai encontrá-los aos montes. E pior, geralmente eles andam em bandos e para completar lutam jiu-jitsu ou alguma outra arte marcial que pode te levar ao coma induzido. Moral da história: deixe que mijem na sua perna.

Outro problema dos grandes festivais é os preços. Você pode até pechinchar com um vendedor ambulante – sim, eles existem –, mas nas lojas e restaurantes um copo de água mineral não costuma ser vendido por menos de R$ 3. No Rock in Rio, o copinho chega a custar R$ 5. Até ajuda a entrar no clima: nada mais natural do que ser assaltado em plena luz do dia no Rio de Janeiro.

Como se não bastasse o alto valor dos itens básicos que eles não deixam que se leve de casa, não pense que você vai ser bem atendido. De modo geral, apenas se encontram pessoas com cara fechada, em estresse absoluto e sem troco. O bom e velho fast food também não existe. Em qualquer lanchonete, você não perde menos que meia hora nos horários de maior pico. Na fila, é claro, sem contar mais o tempo do preparo daquele hambúrguer mequetrefe que não sai por menos de R$ 7.

Katy Perry e o cara mais invejado de Sorocaba
No Rock in Casa, eu sento no meu sofá ao lado da minha namorada e de mais alguns familiares e amigos, faço o lanche que eu quiser pelo preço que acho justo e posso beber a minha cervejinha em paz, relaxado. Posso ver realmente os rostos de quem está tocando no palco, sem ter que me incomodar com dois jogadores de vôlei que resolveram acompanhar os shows na minha frente. Não preciso ser esmagado por 100 mil pessoas contra as barras da cerca no gargarejo. Posso curtir a banda no volume que eu definir. Posso ir ao banheiro e não encontrar fila alguma – a não ser que mamãe tenha errado feio no preparo do cardápio, o que geralmente não acontece.

Uma dica? Experimente você também o Rock in Casa. Dá até para fazer uma roda punk com a sua avó, para entrar no clima. E se o desejo de estar no festival bater forte mesmo e já não houver mais ingressos à venda, recorra à última instância: peça para que mijem na sua perna.

Jovens mostrando todo a sua masculinidade em roda punk no show do Elton John
Filhinho do Edu Falaschi (Angra) e o momento mais "óinnn..." do Rock in Rio


Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 27 de setembro de 2011.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Os cuidados com a vovó

Nós todos, quando entardecer amanhã
Eu tenho uma vovó um pouco acima do peso – para ser simpático com a velha. Até porque mulher nenhuma, em nenhum momento da vida, gosta de ser chamada de gordinha – o que dizer então de obesa. Escrevo esta coluna com ela a meu lado, dormindo no sofá de ladinho, tapada com um cobertorzinho. Metadinha da bunda está para o lado de fora, a graciosidade em pessoa.

Do alto de seus três dígitos de peso, minha avó caminha com certa dificuldade, e toda manobra mais complicada – um degrau a mais, uma distância maior – exige uma verdadeira operação de guerra para ser executada. A logística, na grande maior parte do tempo, fica a cargo de ao menos um dos três filhos e das respectivas esposas e marido. Estes estão em tempo quase que integral a cercando. Netos e demais parentes dão uma força, vez por outra, até porque filhos e noras, especialmente os que moram na mesma cidade que ela, também precisam de descanso.

Meu vovô morreu no ano passado, fato que pegou todos de surpresa. Foi o grande parceiro dela, especialmente na última década de vida, quando a saúde de minha avó já não era a mesma de antigamente. Deve ser difícil para uma mulher acostumada ao trabalho, a subir e a descer um morro diariamente para trabalhar em um hospital, chegar ao ponto de quase não poder mais exercer uma das funções mais básicas da vida: andar. Meu avô, este sim, tinha saúde de ferro. Jogou bola na praia – correndo mais que todo mundo – até perto dos 60 anos. Como no outro dia sempre ficava com dores musculares, resolveu parar. Mal sabia ele que os outros também ficavam... Suas últimas travessuras consistiam em, “apenas”, cruzar uma lagoa a nado. Era a aventura em pessoa. Foi surpreendido ao descobrir um câncer no estômago. Se foi logo depois. Eu o amava... É isso.

Depois que meu avô morreu, minha avó desistiu um pouco da vida. Passou a conviver com aquela de história de “ah, já, já, eu morro”. Que nada, vó: você está viva. Bem viva, aqui do meu lado com metadinha da bundoca para o lado de fora do sofá. Desista não, neguinha. Mas o que quero falar não é exatamente sobre ela. É sobre os filhos.

Nós vamos envelhecer um dia. Mais cedo ou mais tarde, todos nós precisaremos estar cercados por cuidados, sendo os personagens principais das operações que necessitam de logísticas napoleônicas. Vira e mexe, meu pai brinca com minha mãe e diz: “Vamos tratar bem o Renam, ele que vai escolher nosso asilo...”. Você está errado, pai: a Mila vai ajudar a escolher, já que provavelmente até lá ela me convencerá do casamento.

Mentira. Odiaria ter que colocar meus pais em um asilo, e já adianto isto a vocês, meus velhos (mas não custa nada colaborar, é claro). O fato é que eu não gostaria de terminar a minha vida em um local como este, e não quero isto para vocês. Espero que o exemplo sirva a meus filhos, bem como tem me servido este que vejo, hoje, com a vovó. Nem chegou-se a cogitar esta hipótese para ela. Nem vai ser.

Estive em um asilo em apenas duas oportunidades. Que tristeza. Pessoas de toda sorte lá são esquecidas ao vento. Há, claro, idosos que não podem receber a atenção em tempo integral dos filhos e acabam nestas instituições – mas ainda assim são visitados frequentemente pelos “herdeiros”. O que mais chama atenção, todavia, são os abandonados de verdade. Infelizmente, a maioria. Não sei o que pensam estas pessoas que abandonam os progenitores... É como diz a velha música caipira, “um pai trata dez filhos, dez filhos não tratam um pai”.

Sempre fui adepto da lei da ação e reação – traduzida pelo provérbio “a gente colhe o que planta”. Semeias amor, recebes amor. Semeias afeto, recebes afeto. Como só mesmo o chuchu nasce sem que se plante ou queira, criei uma frase para expressar o que eu quero dizer: “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Caso vejas isto publicado em algum outro lugar, me informes do plágio. Queria escrever mais, mas vou ter que terminar a coluna mais cedo: minha avó acordou.



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 20 de setembro de 2011.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sobre o maior atentado que já vi

Lembro-me como se fosse há dez anos. Ah, é. Faz dez anos. Enfim, lembro-me. Era 11 de setembro de 2001. Nunca sabemos como será o nosso dia quando levantamos da cama pela manhã e, naquela ocasião, não foi diferente. Quando acordei ainda não sabia, mas, ao retornar da escola naquele dia, iria me deparar com o maior atentado que já vi. Tinha 12 anos na época.

Meu dia na escola foi comum, nada fugiu do normal, você sabe. Todo mundo sabe como é ter 12 anos. Enfim, monotonia, o maldito cotidiano de sexo, drogas e rock n’ roll de qualquer pré-adolescente. Cheguei da escola no horário de sempre. Como de costume, meus pais já estavam em casa. Mas, pelo silêncio que pairava, percebi que havia algo estranho no ar. E havia mesmo. Encontrei os dois na área dos fundos. Pareciam não acreditar no que viam... Mas, será possível? Era. O maldito Batista começou a reformar a casa detonando logo a churrasqueira. Ô, homem tinhoso. Nunca conheci pedreiro mais atentado. O maior atentado que já vi.

Nunca entendemos o porquê, mas aquele atentado do Batista pôs abaixo a churrasqueira logo no primeiro dia de serviço. Ele poderia ter feito qualquer outra coisa, mas não, detonou a churrasqueira. O que seriam dos almoços de domingo depois daquele 11 de setembro? Tempos difíceis viriam, previmos. Estávamos em choque. Como todo o mundo ficaria.

Coincidentemente, o mundo ficou mesmo em choque naquele dia. Não por conta do Batista, é claro. A fama dele nunca trespassou muito o bairro Alto Feliz, o que dizer então do continente americano. Não. O mundo estava embasbacado mesmo por causa de outro atentado: Osama Bin Laden.

Batista e Bin Laden foram responsáveis por mudar aquele 11 de setembro de 2001. Altos e esguios, em comum ainda tinham o temperamento explosivo – Bin Laden, mais explosivo, digamos. O fato é que cada um, a seu modo, fez com que aquele dia ficasse marcado para sempre. Batista deu fim a uma churrasqueira. Bin Laden, a duas torres e quatro aviões. Pouca gente conhece Batista, o pedreiro que deu início à reforma lá de casa. Bin Laden, por sua vez, é mais famoso, o que não deixa de ser justo, afinal a reforma dele foi maior: Batista levou abaixo apenas uma parte da minha residência, Bin Laden fez a casa cair por completo nos Estados Unidos.

Por anos, os norte-americanos perseguiram Bin Laden. Promoveram duas guerras, perderam milhares de vidas, tiraram outras tantas, até que conseguiram dar cabo do atentado. Lembro que meu pai, ao longo da reforma aqui em casa, falou uma ou duas vezes em matar o Batista, mas não foi tão a fundo. Não que tenha faltado motivo, é preciso dizer. “Batista, o piso do banheiro ficou desalinhado”. “Ali depois vai o box, ninguém vai ver”. “E o do quarto?”. “Tem a cama, ninguém nota”. “Mas e o do corredor, Batista?!?!”. “(Profunda reflexão, até que...) Ah, ali coloca uma folhagem”. Sim, o Batista sobreviveu. Mas este mundo não é feito apenas de justiça, sempre digo.

Bin Laden, como disse, morreu. Teve um enterro até digno. Por aqui, na BR-101, os homens que usam saia e vivem tocando o terror tem um fim bem mais inglório do que terminar no oceano. Li e ouvi os comentários mais diversos sobre a cobertura feita em memória do que ele fez. Gente que chorou os mortos e gente que preferiu ressaltar os crimes norte-americanos – para que ter pena dos Estados Unidos, se eles mataram milhares em Hiroshima e Nagasaki, coisas do tipo. Respeito toda opinião, mas resguardo meu direito de poder discordar. Os senhores da guerra que mandaram soltar bombas atômicas no Japão provavelmente não estavam no World Trade Center, nem mesmo no Pentágono: o tempo e os cânceres já devem ter lhe tirado as vidas. Assim sendo, julgo valer a pena cada lágrima derramada por inocente morto. E no WTC eles eram milhares... O fato exige tal cobertura. Não sejamos impiedosos com o sofrimento alheio. Friso: os mortos no WTC não têm culpa pelas atrocidades norte-americanas de outrora. Mas cada um entende como quer.

Ah, passada uma década dos atentados, muita coisa mudou. A reforma lá em casa acabou há anos e hoje em dia desfrutamos de duas churrasqueiras. Os Estados Unidos, coitados, ainda estão se reerguendo. Incrível como um financiamento da Caixa pode fazer falta... e nem adianta colocar a culpa nos estragos. No fim das contas, cada um tem o terrorista que merece.

PS: Faça como meu pai: dê uma chance a paz.



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 13 de setembro de 2011.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

E essas bandeiras, é Copa?


Comemoramos amanhã o dia da nossa Independência. Teremos, por todo o Brasil, milhares de crianças marchando (digo, andando...) em desfiles cívicos que exaltam a importância do feito para a nossa trajetória. Todas, ou a maior parte, estarão lá em troca de nota na média final ou no quesito “participação”. Elas odeiam acordar cedo. Aliás, sejamos francos: todos odeiam. Inclusive os pais, que na grande maioria vão à parada só para ver os filhos, mesmo. Ou seja: nunca ficam para ver a entrada da cavalaria.

Em geral, apenas os políticos têm saco e sorrisos para aguentar do início ao fim o desfile. Os cavalos ficam por último porque, vira e mexe, defecam no asfalto. Parece que dão Activia para os bichos antes de entrar na avenida, credo. Como seria extremamente deselegante as crianças terem que caminhar desviando das bombas fecais pela rua – mas hilário, é preciso reconhecer –, elas vão primeiro. Os pais, com elas. Perceba, há certa coincidência nisto tudo. Em Brasília funciona quase assim. O desinteresse faz com que as pessoas não voltem seus olhos para toda a merda feita. E os políticos ficam...

Método para demonstrar amor à pátria
Veja bem, não estou aqui sugerindo o fim dos desfiles cívicos de 7 de Setembro. Penso, apenas, que ele deveria ser realmente um momento de reflexão por aqueles que realmente gostariam de estar ali. A grande maioria dos adolescentes que está na rua preferia ter ficado em casa, para dormir até meio-dia, almoçar e depois cair na rede – alguma social, no caso. A vida vai passando enquanto, tolos, somos meros espectadores. E a merda pela rua...

Desfile de 7 de Setembro também deveria ser um momento de protesto. A nata da política está reunida para acompanhar a parada, então por que não dar uma de Facebook e cutucar? Ótimo mostrar as belezas naturais do nosso país, mas não somos apenas maravilhas. Excelente ressaltar a importância da água, natureza e afins, mas, gente, quem realmente decide se é hora de fazer alguma coisa pelo planeta vai estar lá no palanque de honra, com gravatas apertadas no pescoço e broches cafonas de estrela, pássaro ou algum outro partido político...

E, afinal, comemoramos a independência de quê? Portugal não mete mais o bedelho por aqui, mas, em contrapartida, devemos dinheiro no exterior, somos dependentes de nossas exportações para outros países e mal conseguimos controlar nossas fronteiras, vertente antiga de drogas e produtos ilegais. O Brasil que somos, de modo geral, não é traduzido nas avenidas de 7 de Setembro. O Brasil que queremos ser, talvez, mas ainda assim no final a merda sempre aparece – não fossem os cavalos, não recordaríamos do quanto precisa ser feito.

Onde estão as nossas caras pintadas?
E como precisa. A começar pela mentalidade de algumas pessoas, tem cada um que... Hora do flashback. Estou eu em um supermercado todo decorado com bandeiras do Brasil na semana passada. Parado no caixa, ouço por acaso a conversa de duas pessoas enquanto olho na gôndola algumas capas de revista. Um homem e uma mulher, com um bebê, dialogam. Eis que o homem, intrigado, dispara: “E essas bandeiras, é Copa?”. Confesso que senti vontade de fingir estar vendo TV pelo celular e soltar um grito de “goooooooooooooool”. Mas o deixaria ainda mais confuso...

Não, filho, é setembro. O nosso amor à pátria parece que só aflora de quatro em quatro anos – e não estou falando de eleições, obviamente. Que brasileiro era aquele, meu Deus? Que homem aquele filho dele se tornará, meu Pai? Senhor, protegei-o, ele não sabe o que diz!

Minha amargura com o pseudobrasileiro foi amenizada no mesmo dia. Ainda que não concorde com grande parte do circo do desfile, é reconfortante saber que ainda existem pessoas que amam o que representa o 7 de Setembro. Minha professora de inglês é uma destas. Comentou na última aula que a-do-ra os desfiles cívicos. Achei muito bacana ouvir, mas, de todo modo, dá uma sensação estranha ver um compatriota fazer juras de amor ao país e não usar a própria língua para manifestar tal apreço. Ainda assim, já é alguma coisa... I love you too, Brazil.



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 6 de setembro de 2011.