terça-feira, 20 de setembro de 2011

Os cuidados com a vovó

Nós todos, quando entardecer amanhã
Eu tenho uma vovó um pouco acima do peso – para ser simpático com a velha. Até porque mulher nenhuma, em nenhum momento da vida, gosta de ser chamada de gordinha – o que dizer então de obesa. Escrevo esta coluna com ela a meu lado, dormindo no sofá de ladinho, tapada com um cobertorzinho. Metadinha da bunda está para o lado de fora, a graciosidade em pessoa.

Do alto de seus três dígitos de peso, minha avó caminha com certa dificuldade, e toda manobra mais complicada – um degrau a mais, uma distância maior – exige uma verdadeira operação de guerra para ser executada. A logística, na grande maior parte do tempo, fica a cargo de ao menos um dos três filhos e das respectivas esposas e marido. Estes estão em tempo quase que integral a cercando. Netos e demais parentes dão uma força, vez por outra, até porque filhos e noras, especialmente os que moram na mesma cidade que ela, também precisam de descanso.

Meu vovô morreu no ano passado, fato que pegou todos de surpresa. Foi o grande parceiro dela, especialmente na última década de vida, quando a saúde de minha avó já não era a mesma de antigamente. Deve ser difícil para uma mulher acostumada ao trabalho, a subir e a descer um morro diariamente para trabalhar em um hospital, chegar ao ponto de quase não poder mais exercer uma das funções mais básicas da vida: andar. Meu avô, este sim, tinha saúde de ferro. Jogou bola na praia – correndo mais que todo mundo – até perto dos 60 anos. Como no outro dia sempre ficava com dores musculares, resolveu parar. Mal sabia ele que os outros também ficavam... Suas últimas travessuras consistiam em, “apenas”, cruzar uma lagoa a nado. Era a aventura em pessoa. Foi surpreendido ao descobrir um câncer no estômago. Se foi logo depois. Eu o amava... É isso.

Depois que meu avô morreu, minha avó desistiu um pouco da vida. Passou a conviver com aquela de história de “ah, já, já, eu morro”. Que nada, vó: você está viva. Bem viva, aqui do meu lado com metadinha da bundoca para o lado de fora do sofá. Desista não, neguinha. Mas o que quero falar não é exatamente sobre ela. É sobre os filhos.

Nós vamos envelhecer um dia. Mais cedo ou mais tarde, todos nós precisaremos estar cercados por cuidados, sendo os personagens principais das operações que necessitam de logísticas napoleônicas. Vira e mexe, meu pai brinca com minha mãe e diz: “Vamos tratar bem o Renam, ele que vai escolher nosso asilo...”. Você está errado, pai: a Mila vai ajudar a escolher, já que provavelmente até lá ela me convencerá do casamento.

Mentira. Odiaria ter que colocar meus pais em um asilo, e já adianto isto a vocês, meus velhos (mas não custa nada colaborar, é claro). O fato é que eu não gostaria de terminar a minha vida em um local como este, e não quero isto para vocês. Espero que o exemplo sirva a meus filhos, bem como tem me servido este que vejo, hoje, com a vovó. Nem chegou-se a cogitar esta hipótese para ela. Nem vai ser.

Estive em um asilo em apenas duas oportunidades. Que tristeza. Pessoas de toda sorte lá são esquecidas ao vento. Há, claro, idosos que não podem receber a atenção em tempo integral dos filhos e acabam nestas instituições – mas ainda assim são visitados frequentemente pelos “herdeiros”. O que mais chama atenção, todavia, são os abandonados de verdade. Infelizmente, a maioria. Não sei o que pensam estas pessoas que abandonam os progenitores... É como diz a velha música caipira, “um pai trata dez filhos, dez filhos não tratam um pai”.

Sempre fui adepto da lei da ação e reação – traduzida pelo provérbio “a gente colhe o que planta”. Semeias amor, recebes amor. Semeias afeto, recebes afeto. Como só mesmo o chuchu nasce sem que se plante ou queira, criei uma frase para expressar o que eu quero dizer: “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Caso vejas isto publicado em algum outro lugar, me informes do plágio. Queria escrever mais, mas vou ter que terminar a coluna mais cedo: minha avó acordou.



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 20 de setembro de 2011.

5 comentários:

  1. Óin Rê.... lendo teu texto, lembrei do meu velho pai, o qual estamos cuidando agora, como se fosse criança novamente, e o qual agora, está dizendo que desistiu da vida... :(
    Belas e sábias palavras como sempre meu amigo. O pai, a mãe, que com tanto carinho cuidaram da gente quando éramos crianças, merecem que cuidemos deles, quando eles precisarem da gente.

    Quase chorei lendo mocinho... Parabéns...
    Ahhhh já ouvi aquela frase que você "criou" em algum lugar... corre ver o que houve hein? :)

    ResponderExcluir
  2. Aaaaii não sabia da existência deste blog amigoo!! Parabéns! Lindíssimo e os textos ótimos como todos os seus né! Amigo, todo sucesso do mundo, tenho certeza que você ainda vai muito longe! Parabéns! Beijos

    ResponderExcluir
  3. Jé, tenho certeza de que vai dar tudo certo para o seu pai... Não deixe a peteca dele cair não, viu?

    Obrigado pelo carinho e por me alertar do plágio. Já conversei com meu advogado. Beijos!

    ResponderExcluir
  4. Que bom que gostou, Thabatita! É difícil criar estes textos sem colar nada das suas provas, mas a época da escola acabou e devo me conformar... ;D

    Obrigado pela força, espero que você volte aqui, hein? :)

    Beijos!

    ResponderExcluir
  5. Renan.. Esse texto é perfeito. Comovente! Acabei de ler meio que atrasado, gosto muito de seus textos... Parabéns! Grande abraço do primo Kehto.

    ResponderExcluir