terça-feira, 29 de maio de 2012

Oportunidades e afins

- Eu sou você, amanhã...
Dizem que Deus nunca fecha uma porta sem abrir o Windows. Ou quase isso. O fato é que a vida está cheia de situações com as quais não sabemos lidar muito bem, momentos difíceis em que duvidamos de nossa própria capacidade – quando não, até mesmo do próprio Deus. Ainda sobre o aspecto religioso, dizem também que o Senhor nunca nos concede uma cruz que não possamos carregar. Mas, sejamos francos: às vezes parece que Ele está de brincadeira.

Já acreditei que certas coisas só aconteciam comigo, frustrações de toda – má – sorte. São aqueles momentos de profundo silêncio e reflexão nos quais nos recolhemos aos pensamentos e, concluímos, a respeito de nossa própria existência neste plano: “devo ser cagado”. Mas, de fato, tal conclusão é precipitada: nada é tão ruim que não possa piorar. Acredite. Costumo comprovar minha tese quando algum herege a contesta – certa vez me perguntaram se existia algo pior do que uma sala de espera; pois existe: uma espera sem sala.

A verdade é que, na maioria das vezes, quebramos a cara ou por dar confiança, ou por manter esperança. Erros comuns. Tendemos a crer no próximo e, não raro, o próximo nos passa para trás, transformando-nos no anterior. O problema é que o cotidiano está cheio de sorrisos mentirosos, elogios mascarados e tapinhas nas costas. E, quando você menos espera, o tapinha vira chute. No traseiro! Por isso cuidado: só acredite na veracidade de um tapinha nas costas quando este vier no instante em que você estiver num restaurante, engasgado com o caroço de uma azeitona. E olhe lá!

Eu me relaciono com pouco mais de 1.400 pessoas no Facebook, gente que a rede social teima em nomear como “amigo”. Besteira. Amigo, amigo mesmo, desses que posso ligar quando tenho algum problema, eu tenho, no máximo, uns 20, o que já é um número consideravelmente grande. Tenho uma escala no mínimo curiosa para conferir o grau de amizade: costumo medir pelo nível de xingamentos proferidos durante a conversa. Quanto maior o número e a gravidade das ofensas que posso dirigir ao meu interlocutor sem medo de perder o seu afeto, mais brother ele é. Só não exemplifico um diálogo aqui porque, afinal de contas, esta coluna é de família.

Retomando: são estas 20 pessoas, mais a minha família, que são dignas de minha confiança em plenitude. Do resto posso esperar de tudo. De uma entrada na lista dos 20 a uma punhalada no lombo em forma de tapinha nas costas. Tal precaução é necessária para evitar futuros contratempos ocasionados, de modo geral, pela esperança. Nem sempre nos lembramos de manter a guarda levantada, mas volta e meia um gancho de direita bem aplicado nos revela que, sim, ainda estamos no meio da luta.

E a luta continua. Seja no ringue ou no octógono. E se há uma coisa que aprendi nesta vida, é que o mundo não para de girar quando fico triste e deprimido. Até mesmo porque costumo beber nestas ocasiões... Enfim. O conselho que gostaria de deixar na coluna de hoje é que, quando você achar que está à beira de um precipício, lembre-se: keep calm and carry on.

PS: Agora, com vocês, Pouca Vogal:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 29 de maio de 2012.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Bodas de Brilhante

Amor verdadeiro nem Alzheimer apaga!
Sábado, ao meio-dia, eu tive a felicidade de acompanhar uma festa de Bodas de Brilhante. O casal, o seu Pedro e a dona Doda, comemorava 75 anos de matrimônio. Exatamente: 75 anos. Familiares próximos estavam receosos em organizar a celebração. O medo era geral, por motivos óbvios: corria à boca miúda que o casamento daqueles dois podia não vingar. Mas, pelo menos até a festa, ocorreu tudo bem na relação.

Difícil mesmo foi comprar o presente. A dúvida era justamente o que dar a um casal que completava 75 anos de casamento. Minha namorada e eu prejulgamos que, neste meio tempo, os dois já haviam conseguido completar o enxoval. Na dúvida, uma neta ajudou com alguns toques. Problema resolvido, fomos à festa.

Como toda noiva que se preze, dona Doda era só sorrisos. Já seu Pedro, como não poderia deixar de ser, estava com aquele compreensível olhar de quem entrou para a forca há 75 anos. Nada mais natural. Enquanto recebia os convidados, a mulher gabava-se de que os pombinhos jamais brigaram durante o casamento. Seu Pedro não contestava a esposa, o que, de certa forma, também explica o saldo.

A celebração foi muito bonita, com alguns familiares agradecendo pelo convívio com o casal. Um diácono – um quase padre, digamos – foi quem conduziu a benção das Bodas de Brilhante. Para espanto geral, ele não repassou nenhuma dica aos noivos, o que, entendia-se, poderia prolongar a união por mais tempo. Mas ainda assim, deixo aqui registrado o desejo de que este matrimônio dê certo, afinal.

Terminada a celebração, corri para a calculadora e descobri que o casamento do seu Pedro e da dona Doda aconteceu em 1937. Para se ter uma ideia, meus avós não haviam nascido. O presidente era o futuro suicida Getúlio Vargas. O Papa era Pio XI – já passaram seis depois dele. A moeda corrente era o mil-réis. O Fusca era apenas um protótipo, com 30 modelos fabricados. Não havia Miss Brasil. A seleção só ganharia uma Copa do Mundo 19 anos depois. Dercy Gonçalves era gostosa. O Ermo não existia.

O seu Pedro e a dona Dona tiveram quatro filhos. Pouco, relativamente, já que o padre deu a benção e liberou a festa há 75 anos. Pelos meus cálculos, dá para repetir o Kama Sutra 312 vezes neste meio tempo – a estimativa desconsiderou as supostas dores de cabeça da dona Doda e, obviamente, “aqueles” dias. Na média, o casal teve um novo filho a cada 18 anos e nove meses, o que demonstra certa prudência: antes do primeiro ano de faculdade quitado, nada de abandonar a tabelinha.

A expectativa de vida está cada vez mais alta, mas hoje casa-se cada vez mais tarde; por isso, penso ser difícil, atualmente, atingir a marca do seu Pedro e da dona Doda. De todo modo, o que fica de lição é que o casamento, instituição por vezes dada como falida, pode perdurar por muitos anos quando existe respeito, quando existe cumplicidade e quando o marido não contesta a mulher. Se continuar neste ritmo, tenho certeza de que o seu Pedro e a dona Doda ainda vão muito mais longe. Sei lá, Bodas de Oscar Niemeyer, talvez. Mas já estão de parabéns.

PS: Agora, com vocês, um tributo ao amor:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 22 de maio de 2012.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Mamãe querida...


Sempre disse que minha mãe era um anjo... *----*
Ô, mããããããããããe! É assim que a gente chama mãe. Nada dessa coisa curtinha: mãe. Mãe é com dez a’s acompanhados de til. É desespero. É aflição, é angústia, é cólera... Pode até ser nada, mas estamos tão acostumados à entonação do pavor que acaba saindo desse jeito sempre. Pra tudo. Ô, mããããããããããe, vem me limpar. Ô, mããããããããããe, vem me buscar. Ô, mããããããããããe, cadê meu tênis? Ô, mããããããããããe, acabou o papel... Aí quando a mãe não está por perto o jeito é apelar para o pai. É, o pai, aquele homem responsável pela fecundação que, na teoria, existe para dividir as tarefas com a esposa, que está ali para suportar os desafios da criação dos filhos lado a lado com a mulher. Aí você pensa... Pensa... E grita, desesperadamente, para o pai: ô, pai... Cadê a mããããããããããe!?

A relação entre mãe e filho é a coisa mais intensa que pode existir. Isso, sem contar, que é o sentimento mais antigo e duradouro. Eu mesmo conheço a minha mãe desde que nasci. Juro: sem medo de ser exagerado, sinto que nossos destinos foram traçados na maternidade – na dela, no caso.

Quando era pequeno, lembro que acordava algumas vezes durante a madrugada, assustado. A primeira coisa que fazia, lógico, era chamar pela minha mãe... Quando ela não atendia – já que ninguém é palhaço de ficar acordando toda noite –, me escondia debaixo da capa protetora que chamam popularmente de cobertor. Até a cabeça. Lá embaixo, protegido, eu pensava: PQP, cadê a mããããããããããe!? Sei que ela não aparecia para que eu encarasse meus medos de frente – ou talvez a tinhosa só estivesse dormindo feito pedra, verdade, mas com certeza me ajudou a amadurecer.

Costumava passar as férias na casa de praia da minha avó. O itinerário era o seguinte: banho de mar pela manhã, banho de lagoa à tarde, dor de ouvido no outro dia. Era batata. Já saia de casa com aquelas gotinhas milagrosas que se costumava pingar indiscriminadamente nos ouvidos. Mas não adiantava, porque eu só melhorava quando era a minha mãe que gotejava. E sabe o que isso significa? Significa que sempre fui fresco.

Não se engane, jamais fui dado a dar: minha frescura sempre foi máscula. Mas, filho único que sou, era fresco. Lá pelos três anos de idade só dormia cheirando a mão da minha mãe. Se antes ela havia cortado cebola, pedia pra lavar. E sabe o que é pior? A danada lavava. Mamãe é só amor.

Mentira, mamãe também era linha grossa. Uma vez me viu brincar com a chama de uma vela e pôs um dos meus dedinhos no fogo só para que eu aprendesse a ser ladino. Moral da história: nunca tive queimaduras pelo corpo nessa vida. Noutra vez, prometi que chegaria às cinco horas da tarde em casa, mas fiquei batendo bola na rua até às sete: foi a última vez que vi minha orelha esquerda. Moral da história: nunca me atrasei para uma reunião no trabalho.

Conselheiros tutelares, por favor: não tratem qualquer uma destas linhas como denúncia. Até porque provavelmente vocês apanharam muito mais do que eu na infância e sei que ainda amam as suas mães com toda força. Hoje pode parecer absurdo, mas naquela época o Congresso ainda deixava que os pais dessem algumas palmadinhas nos filhos, lembram? Por isso levei algumas bordoadas.

Só lembro de ter apanhado pra valer da minha mãe uma vez: chamei a senhora que ajudava na limpeza lá de casa de “puta fofoqueira”. Minha mãe ficou sabendo, o que de certa forma comprovava a minha tese, mas não houve perdão: estava tomando banho quando ela chegou, e a Havaiana cantou na minha bunda molhada. A água deve potencializar algum componente da Havaiana, juro, porque aquelas chineladas doeram pra valer, Jesus! Depois minha mãe ficou com pena e veio me abraçar... Nunca mais ofendi a puta fofoqueira. Em tempo: desculpe, mãe, guarde já esta Havaiana.

Toda pessoa normal viu – e reviu – Chaves no SBT. Lembro que num episódio, no Festival da Boa Vizinhança, Kiko tenta declamar um poeminha para as mães. “Mamãe querida, meu coração por ti bate...”. Chiquinha e Chaves nunca deixaram que ele completasse o verso. Mas precisava algo mais? Sinceramente, penso que não. O coração de um filho, por uma mãe, bate. Bate e pronto. Bate, inclusive, por conta e culpa dela. Então só posso dizer obrigado: obrigado pelo coração que um dia você me deu e que, na verdade, sempre foi seu, mãe.

PS: Agora, com vocês... Kiko:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 15 de maio de 2012.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Dia da Sogra


Sogra: cuidado, mantenha distância
Hoje resolvi falar de uma pessoa muito importante para as nossas vidas. Não é amiga, não é parente, sequer é necessária, mas está sempre por perto. Sempre. Nas horas boas, e nas horas más que ela mesma cria. É uma pessoa que entra na sua vida sem pedir licença, acompanhando outra que você escolheu para si, como se fosse um brinde. É, um brinde. Como aquele boné que você ganha no posto de gasolina, aceita por educação, mas sabe que não tem serventia alguma na casa. Estou falando da sogra.

Resolvi falar das sogras ao descobrir que algum ladino decidiu dedicar um dia do ano para elas. Pois o tinhoso escolheu justamente o 30 de abril para isto, um dia depois do meu aniversário. Ou seja: até no calendário a danada me persegue. De começo foi um choque, mas já me recuperei. Afinal, se existe até mesmo o Dia do Cão, em 4 de outubro, por que não criar um dia para a jararaca? Acho justo.

Felicidade estampada ao ver o genro
Se a mulher foi feita da costela do homem, a sogra deve ter saído do calcanhar, já que vive pisando no seu pé. A verdade é que a mãe da sua esposa tem a força de uma rocha, mas está mais para uma pedra no sapato: é ela que tem o conselho certo para abalar qualquer casamento. E não precisa nem se dar ao trabalho de aconselhar, basta sugerir. “Cerveja com os amigos em plena terça-feira? Hmmmm...”. “Então ele foi para o futebol com os colegas de trabalho e você ficou sozinha em casa? Hmmmm...”. “Você já viu aquela nova secretária dele, a Shirley? Aquela loirinha de 18 anos, toda bonit... Ah, ele ainda não falou nada sobre a Shirley? Hmmmm...”. Coisas de sogra.

Sogra é aquela mulher que pergunta quando você vai encontrar um emprego melhor, que pague algo decente. Sogra é aquela mulher que põe em você a culpa pelo fato de a sua esposa ter engordado ou emagrecido – o que você anda aprontando com a filha dela, cretino? Sogra é aquela mulher que chega sem avisar e que fica sem previsão de partida. Sogra é aquela mulher que empata você sabe bem o quê. Certa vez ouvi um conselho que agora compartilho: não more perto o bastante para que a sogra o visite de chinelos, nem longe o bastante para que a sogra o visite com as malas. Fica a dica.

Sogra conversando de perto com Adão
Mas, verdade seja dita, nem todo homem é frequentemente perturbado pela sogra. O Adão, por exemplo. Há indícios de que ele vivia com a mulher em uma região belíssima, de água pura e cristalina, de verdes matas e clima agradável. O local era perfeito, chamavam até de Paraíso. Foi quando a mãe de Eva apareceu com algumas maçãs. Reclamou das roupas que eles usavam, pôs defeitos na casa, e marido e mulher se afastaram por uns tempos. Incomodado com a perturbação do sossego de outrora, o dono da propriedade resolveu despejá-los. Mas para não criar clima, que aquele Senhor não era disto, ofereceu a Adão e Eva um espaço em outro loteamento, mais afastado, menos nobre, chamado de Terra. Só tinha uma condição: o casal precisava levar a mãe da Eva, que lá pelas bandas do Paraíso já havia sido apelidada de Cascavel. O resto da história a gente já conhece e termina no dia 30 de abril. Parabéns, sogras.

PS: Agora, com vocês, Bezerra da Silva...



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Semana News em 2 de maio de 2012.