terça-feira, 15 de maio de 2012

Mamãe querida...


Sempre disse que minha mãe era um anjo... *----*
Ô, mããããããããããe! É assim que a gente chama mãe. Nada dessa coisa curtinha: mãe. Mãe é com dez a’s acompanhados de til. É desespero. É aflição, é angústia, é cólera... Pode até ser nada, mas estamos tão acostumados à entonação do pavor que acaba saindo desse jeito sempre. Pra tudo. Ô, mããããããããããe, vem me limpar. Ô, mããããããããããe, vem me buscar. Ô, mããããããããããe, cadê meu tênis? Ô, mããããããããããe, acabou o papel... Aí quando a mãe não está por perto o jeito é apelar para o pai. É, o pai, aquele homem responsável pela fecundação que, na teoria, existe para dividir as tarefas com a esposa, que está ali para suportar os desafios da criação dos filhos lado a lado com a mulher. Aí você pensa... Pensa... E grita, desesperadamente, para o pai: ô, pai... Cadê a mããããããããããe!?

A relação entre mãe e filho é a coisa mais intensa que pode existir. Isso, sem contar, que é o sentimento mais antigo e duradouro. Eu mesmo conheço a minha mãe desde que nasci. Juro: sem medo de ser exagerado, sinto que nossos destinos foram traçados na maternidade – na dela, no caso.

Quando era pequeno, lembro que acordava algumas vezes durante a madrugada, assustado. A primeira coisa que fazia, lógico, era chamar pela minha mãe... Quando ela não atendia – já que ninguém é palhaço de ficar acordando toda noite –, me escondia debaixo da capa protetora que chamam popularmente de cobertor. Até a cabeça. Lá embaixo, protegido, eu pensava: PQP, cadê a mããããããããããe!? Sei que ela não aparecia para que eu encarasse meus medos de frente – ou talvez a tinhosa só estivesse dormindo feito pedra, verdade, mas com certeza me ajudou a amadurecer.

Costumava passar as férias na casa de praia da minha avó. O itinerário era o seguinte: banho de mar pela manhã, banho de lagoa à tarde, dor de ouvido no outro dia. Era batata. Já saia de casa com aquelas gotinhas milagrosas que se costumava pingar indiscriminadamente nos ouvidos. Mas não adiantava, porque eu só melhorava quando era a minha mãe que gotejava. E sabe o que isso significa? Significa que sempre fui fresco.

Não se engane, jamais fui dado a dar: minha frescura sempre foi máscula. Mas, filho único que sou, era fresco. Lá pelos três anos de idade só dormia cheirando a mão da minha mãe. Se antes ela havia cortado cebola, pedia pra lavar. E sabe o que é pior? A danada lavava. Mamãe é só amor.

Mentira, mamãe também era linha grossa. Uma vez me viu brincar com a chama de uma vela e pôs um dos meus dedinhos no fogo só para que eu aprendesse a ser ladino. Moral da história: nunca tive queimaduras pelo corpo nessa vida. Noutra vez, prometi que chegaria às cinco horas da tarde em casa, mas fiquei batendo bola na rua até às sete: foi a última vez que vi minha orelha esquerda. Moral da história: nunca me atrasei para uma reunião no trabalho.

Conselheiros tutelares, por favor: não tratem qualquer uma destas linhas como denúncia. Até porque provavelmente vocês apanharam muito mais do que eu na infância e sei que ainda amam as suas mães com toda força. Hoje pode parecer absurdo, mas naquela época o Congresso ainda deixava que os pais dessem algumas palmadinhas nos filhos, lembram? Por isso levei algumas bordoadas.

Só lembro de ter apanhado pra valer da minha mãe uma vez: chamei a senhora que ajudava na limpeza lá de casa de “puta fofoqueira”. Minha mãe ficou sabendo, o que de certa forma comprovava a minha tese, mas não houve perdão: estava tomando banho quando ela chegou, e a Havaiana cantou na minha bunda molhada. A água deve potencializar algum componente da Havaiana, juro, porque aquelas chineladas doeram pra valer, Jesus! Depois minha mãe ficou com pena e veio me abraçar... Nunca mais ofendi a puta fofoqueira. Em tempo: desculpe, mãe, guarde já esta Havaiana.

Toda pessoa normal viu – e reviu – Chaves no SBT. Lembro que num episódio, no Festival da Boa Vizinhança, Kiko tenta declamar um poeminha para as mães. “Mamãe querida, meu coração por ti bate...”. Chiquinha e Chaves nunca deixaram que ele completasse o verso. Mas precisava algo mais? Sinceramente, penso que não. O coração de um filho, por uma mãe, bate. Bate e pronto. Bate, inclusive, por conta e culpa dela. Então só posso dizer obrigado: obrigado pelo coração que um dia você me deu e que, na verdade, sempre foi seu, mãe.

PS: Agora, com vocês... Kiko:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 15 de maio de 2012.

Um comentário:

  1. Kra, tu é um gênio! Texto perfeito e engraçado. Imaginei em cada linha os momentos deste relacionamento maravilhoso que tu teve e que te transformou neste, não digo belo homem, porque sou macho entende? (hehehe), mas em um grande homem e filho que sabe reconhecer o valor da mãããããããããe... Abraço! (primo Keto)

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