terça-feira, 5 de junho de 2012

Joelhos, crianças e fraldas descartáveis

O milorde das fraldas, João Nicolete Bernardo
Domingo aconteceu o batizado do meu afilhado João Bernardo. Havia umas quinze crianças na igreja, mas no grupo apenas três meninos – o que indica um futuro promissor aos garotos. Meu afilhado, um milorde das fraldas, estava impecável. Do alto de seus sete quilos e trezentos gramas, prestava atenção a todos os movimentos da missa religiosamente. Pode até parecer prematuro, coisa de dindo, como se diz no Sul, mas a mim não restam dúvidas de que este sim vai ser um católico fervoroso: não o vi pronunciar uma palavra durante as duas horas de celebração.

João, filho da irmã da minha namorada e do seu marido – espera-se –, virou o encanto da família. Tem apenas quatro meses, mas é praticamente uma celebridade: até quando está dormindo vira o centro das atenções, numa infinidade de flashes para a posteridade. Na minha época, o comum era que os bebês tivessem álbuns de fotografia. João, não. João já tem um book, algo que só fui conhecer na primeira aula de inglês on the table. Os tempos são outros. Sinto-me ultrapassado. É como se um dia o moleque fosse me apresentar as fotos digitais antigas num tablet e eu, em contrapartida, fosse buscar as minhas xilogravuras...

Impressionante como tudo mudou desde quando eu era bebê. Nos meus tempos idos de guri, fralda descartável era artigo de luxo, muito luxo. O jeito era lavar no braço, no tanque – ou cocho, se você fosse do campo. Presente era só em data muito, muito importante, como em dia de aniversário ou Natal, e com um pouco de sorte. Sério: no meu segundo ou terceiro ano de vida, meus pais simplesmente não me contaram que no dia 29 de abril era meu aniversário, já que não tinham dinheiro pra comprar um presente. Pode parecer uma estratégia pouco nobre, mas até que me fez bem: obrigou-me a compreender o calendário o quanto antes.

Apesar das inevitáveis mudanças que promove o passar das décadas, certas coisas nunca mudam com o tempo. Continuamos a achar os bebês atuais mais espertos que os de antigamente, menosprezando a nossa própria astúcia. Ainda usamos aquela voz de Xuxa com cólica para nos comunicar com as crianças. Repetimos os mesmos gestos, incansavelmente, quando descobrimos alguma expressão que os faça soltar um sorrisinho de canto de boca que seja. Ficamos sensivelmente tocados por aquele cheirinho, aquela fragrância de bebê que só poderia mesmo sair de um ser com tão poucas glândulas sudoríparas. E babamos, bem mais do que eles conseguem babar com a mão na boca, por qualquer movimento ou façanha nova recém-aprendida.

Que os bebês são lindos não há dúvidas, mas isso vem com o tempo. Não importa o que se diga, aos olhos de um homem normal todo recém-nascido sai com cara de joelho. Ali há uma boca e um nariz, dois olhos e duas orelhas, mas, sim, é um joelho. Talvez a falta de sensibilidade se deva somente à falta da paternidade, condição que, de modo geral, amolece até os mais xucros. Sem filhos, ainda estou na fase da grossura. Mas acho até que poderia ser um pai divertido, desses que jogam bola pela casa infernizando mães... Por falar em mãe, a dos meus filhos eu já escolhi, um passo importante. Agora só falta a permissão do padre, a casa e o joelho. E fraldas descartáveis, por favor.

PS: Agora, com vocês, Trem da Alegria:



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 5 de junho de 2012.

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