terça-feira, 3 de abril de 2012

As nossas reinvenções

Tudo novo de novo...
É incrível a capacidade que o ser humano tem para se reinventar. Você e eu já nos reinventamos centenas de vezes. Niemeyer, milhões de vezes. E sempre que as coisas começam a dar errado a gente acredita que logo tudo vai dar certo. E dá, com fé, força e trabalho – a menos que o seu nome seja Murphy: nestes casos, a fila ao lado sempre é mais rápida, toda partícula que voa encontra um olho e o salto alto pra ser bonito tem que machucar (muito) o pé.

A capacidade que temos para nos reinventar está diretamente associada à nossa inclinação à esperança, que por sua vez só existe em razão do tic-tac. Não, eu não fumei nada antes de começar a escrever esta coluna. Mas perceba: quem teve a ideia de dividir a vida em frações é um gênio. Criou junto com o tempo a bendita esperança, sentimento impossível de existir caso não houvesse relógio e calendário. Porque se o seu minuto não está bom você acredita que o próximo vai ser. Se a manhã é estafante, a tarde vai ser tranquila. Se um dia foi horrível, o seguinte vai ser ótimo – a menos que o próximo seja segunda-feira, mas aí também já é brincadeira.

Mar: cenários de diversos recomeços
O ápice da esperança motivada pelo tempo é o Ano-novo. Já começa pelo nome: a virada. É o dia da mudança, do recomeço, de prometer dieta. E tentamos nos reinventar novamente com codinomes babacas como “Eu versão 2012”, como se atualizássemos nosso sistema operacional-sentimental-racional embutido. E a primeira mudança drástica na vida é separar os álbuns do Facebook por fases: é o “2011”, o “2012”, o “Faculdade” e o “Escola” – a exceção é o batido “Tudo junto e misturado”, mas tem gente que é desorganizada mesmo.

De fato, mudar pode ser bom. Eu mesmo estou mudando – de casa, no caso –, saindo da barra da saia da mãe e de baixo das asas do pai. Alguns anos atrás, na adolescência, eu achava que ficar longe deles seria garantia de liberdade pra mim; hoje, percebo que vai ser para eles. A sós vão se libertar das músicas do Iron Maiden, terão menos papéis com entrevistas espalhados e nenhuma pessoa caminhando pela casa de madrugada ou dormindo com a TV ligada e o notebook em cima do peito. Enfim, todos os benefícios de um lar sem filho jornalista. Sem contar que vão poder recordar do tempo de namoro fazendo estripulias em cima da máquina de lavar roupa. Não que eu queira saber, é claro.

Inove, djow!
Mas a verdade inevitável é que só mudar não é garantia de versão melhorada. Se reinventar pode ser bom ou mal, tudo vai depender dos novos rumos que você quer dar à vida. Eu poderia lagar o Jornalismo e entrar para o mundo do crime ou começar a me prostituir, por exemplo, e não seria uma mudança boa. No orçamento, talvez, mas eu teria que reduzir a minha expectativa de vida num caso e aprender a botar camisinha com a boca noutro. Não vale a pena.

A vida é cheia de vírgulas e reticências, já que temos dificuldade em usar pontos finais. E toda mudança requer um novo capítulo ou pelo menos um novo parágrafo, que começa a ser escrito quando você, o autor, bem entender. Mudar de linha nem sempre é fácil. Mas pode valer a pena caso você pense muito bem no que vai por no papel. A única recomendação é: tenha cuidado com a sua história.

PS: Agora, com vocês, 30 Seconds To Mars.



Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 3 de abril de 2012.

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