Eu sou homem. Sou gaúcho, sou são-paulino, já fui coroinha, mas, sim, sou homem. E homem que é homem, depois de certa idade, não chama outro homem de “papai” – isso se ele quiser ter o respeito de seus pares, pelo menos. Os machos que nos colocaram no planeta tratamos por “meu velho”, por “coroa” ou, no máximo, por “pai”, quando queremos receber a mesada. Não que algum dia eu tenha recebido mesada, óbvio. Meu pai era mais adepto à cintada. O mérito, todavia, é semelhante para ambos os prêmios: quanto mais você reclama, mais mesada ou cintada ganha. Tudo depende do pai.
Brincadeiras a parte, meu pai só bateu em mim quando eu era pequeno uma vez – se algum conselheiro tutelar estiver lendo, isto não é uma denúncia, ok? – e, honestamente, não me lembro o porquê. Mas, como foi só essa vez, percebe-se que ele não era violento e, logo, aquele gordinho safado que eu era devia ter merecido mesmo aquela surra. Fora isso, ele também me atirou pela janela uma vez. Defenestrou-me, como saberia mais tarde por Luis Fernando Veríssimo. Conselheiros tutelares, por favor, também não quero fazer denúncia sobre isto, que coisa!
Tudo era brincadeira. “Vou jogar... vou jogar... vou jogar...”. Jogou. Na quarta vez, escorreguei de seus braços e saltei para fora de casa pela janela. O vizinho da frente passou por três meses de análise por conta da cena. Mas, também, não é todo dia que se vê uma criança voar. Daiane dos Santos que me perdoe, mas fui o primeiro a efetuar com perfeição o duplo twist carpado. E, com relação ao meu velho, não há remorso: só mesmo um pai para nos mostrar o tamanho de nossas asas.
Me lembro que, quando era pequeno e meu pai tinha 30 anos, achava ele muito velho. Hoje percebo que, na verdade, eu é que era muito novo. Tenho 22 anos e, na Copa do Mundo de 2022, já serei tão idoso quanto meu pai fora para mim um dia. Está longe? Que nada. Se fosse longe mesmo, a Fifa não estaria escolhendo desde já a sede daquela Copa. Meu pai tem 42 anos. Hoje eu acho que ele está um pouco velho, mas, quando eu chegar aos 30, vou perceber que eu é que era muito novo agora.
Se Deus existe mesmo, ele é um ser muito esperto. Ladinão, mesmo. O Cara Lá de Cima – ouvi muito Lua de Cristal, desculpe – soube exatamente que precisaríamos de alguém para nos colocar um pouco de tino na mente nos primeiros anos de vida e lá pôs nossos pais. Mãe é colo, pai é papo cabeça e os dois são chineladas na bunda. Ainda bem que podemos contar com eles.
Já que eu falei em mãe, coitada da minha. Meu pai e eu promovíamos guerra de almofadas na sala, disputas de vôlei com balão dentro da cozinha, campeonatos de “futebol vale-tudo na chuva” no pátio... As roupas, ela lavava. A cozinha, ela arrumava. A sala, que se dane! Quando chegava lá, a mulher já estava nos xingando em alemão e não queria mais nada com a vida. Perturbamos... E como era bom!
Lembro de um tempo em que meu pai ficou desempregado. Eu adorava ter o velho por casa por dois motivos. Primeiro: não sabia, na época, que precisávamos de dinheiro. Segundo: eram mais oportunidades para guerra de almofadas, para disputas de vôlei com balão e para “futebol vale-tudo na chuva”. Era muito pequeno e não recordo-me, mas possivelmente minha mãe tenha aderido aos antidepressivos durante aquele período.
Quando chegou a minha adolescência, meu herói da infância virou somente um homem. Depois, um careta. Depois, um mala. Aí a gente vai crescendo... E o mala virou um careta e, agora que passou mais um tempo, ele virou de novo um homem. Somente um homem. Mas é o mais importante da minha vida e, sei, chegará o dia em que o verei como herói de novo. É sempre assim...
Quando eu era um garoto de 14 anos, meu pai era tão ignorante que eu mal conseguia suportar ficar perto daquele senhor. Mas, quando completei 21, fiquei estarrecido com quanto ele havia aprendido nesses sete anos. (Mark Twain, 1835-1910, escritor americano)
“Depois de grande”, homem nunca sabe o que dizer em Dia dos Pais. Tolos, somos. Em qualquer fase da vida, mesmo na fase da convivência mais turbulenta, basta um abraço. Em seguida tudo pode voltar ao normal, mas, naquele momento, você se sente protegido como nos velhos tempos pelo herói de antigamente. Dá até vontade de voltar a ser criança, só para dizer: “Papai, te amo”. Certas coisas, nunca mudam.
Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 16 de agosto de 2011.
incrível! cada vez melhor!! não abandone o blog, please, sou jornalista e não tenho dinheiro pra comprar jornal.... hiihih
ResponderExcluirbeijo!
Agora fiquei comovido, Mari. É que te entendo... Haha!
ResponderExcluirBeijos!
É que, quando a gente vira adulto, acha que não precisa dizer mais nada. Ledo engano, todo pai/mãe adora ouvir um eu te amo, eu me preocupo com você, quero você do meu lado sempre. Mas parece difícil falar essas coisas.
ResponderExcluirArrepiei!
ResponderExcluirTambém ouvi muito Lua de Cristal :(
Beijo, Rê
Bha Re. Já ri de monte e já me emocionei lembrando da minha infância e das bagunças que fazia, só imagino como era na casa da sogra com os 4, incrível como a mulher sobreviveu.
ResponderExcluirEsta ótimo, me surpreende a cada leitura!!!
Bjs. Jack
Lô, você tem toda razão. Não podemos deixar de dizer essas coisas, apesar de nem sempre ser "fácil". No fim, é isto que faz toda a diferença.
ResponderExcluirManu, bom saber que mais alguém curtia a Xuxa. ;D
Jack, obrigado pelo carinho! Também não sei como a dona Ju não surtou - aliás, acho que ela surtou sim. :)
Beijos para a três!
Lindo o texto!!! Ameiii!!!
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