quinta-feira, 25 de agosto de 2011

E a novela segue...

Norma, a da novela, sujando o tapete da sala
Quem matou a Norma? Você já sabe. Você até já sabia antes da última sexta-feira, mas provavelmente esqueceu. Pois bem, quem matou a Norma Culta da Língua Portuguesa foi o Ministério da Educação (MEC). A polêmica começou em maio, está lembrado, amigo leitor? Não sou Tang, mas te refresco – a memória, no caso. Dizia um trecho do livro “Por uma Vida Melhor”:

“É importante saber o seguinte: as duas variantes [norma culta e popular] são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros”.

Vejas bem tu que me lês, ó, prestimoso amigo da coluna. Esta citação pela qual teus olhos caminharam soa profana a meu ser. Ou, como escreveria a classe não dominante, ou, ainda, dominada, ‘cuanta sacanage’. Ao que parece, querem privar o pobre do direito da língua culta e, pior, fazer com que ele ache que está tudo bem. Afinal, corrigir uma frase mal pontuada pode ser “preconceito social”. Opa, eu disse pontuação? Perdão. O buraco é mais embaixo. Quis dizer concordância:

Ministro da Educação, Fernando Haddad, indicando o local onde enterrou a Norma... isso, aí no parágrafo de baixo
“‘Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado’. Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião”.

Fosse eu o autor do livro, diria o seguinte... “Você pode estar se perguntando: ‘Mas alguém pode deixar de me contratar em uma grande empresa por eu falar ‘os livro?’.’ Claro que pode! Ou talvez pode estar se perguntando: ‘Eu posso ter que trabalhar de sol a sol por um salário de miséria que só paga a minha cachaça por falar ‘os livro?’.’ Claro que pode! Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ter que começar a praticar assalto a mão armada para alimentar ‘as criança’. A culpa é da classe dominante. Ou, melhor dizendo, do ‘sistema’, tá ligado?”.

Uma pena que não fui eu o autor desta obra, acho que teria vendido bem mais. Mas aí, também, não seria o livro de cabeceira do Lula e de demais companheiros, companheiras e presidentas, parentas e outras mulheres decentas. É óbvio que se a classe mais pobre – desculpe, pobre é ofensivo; mais necessitada – não tiver acesso à Norma Culta o carimbo de “não dominante” sempre acompanhará os novos filhos que deste ventre sair. E benza Deus, como faz filho esta gente!

O que mais me indigna nisto tudo é a parte que cita o “preconceito linguístico”. Hoje em dia tudo é preconceito, credo! Contar piada é um dilema. Foi-se o tempo que dava para dizer que loira era burra, que padre pegava coroinha, que gaúcho era gay e, o pior, que gay era gay. Eu sou do tempo em que bullying era onde a gente fazia o caféllying. Agora tudo é preconceito, preconceito, preconceito... E nessa onda do politicamente correto, para mim o pior preconceito mesmo é aquele em que não se respeita piada.

Resumo da ópera para você, ‘dos livro’. Não deixe que o Ministério da Educação o deseduque. Corre atrás, filho. Se é a classe A e B quem mais fala pela Norma Culta e você quer sair da miséria, por que diabos você não se esforça para falar da mesma forma? Caso o seu plano seja ganhar na Mega-Sena, ignore a recomendação, mas, se não for o caso, estude. Devore ‘os livro’ até que eles virem ‘os livros’. Não sabe como começar? Comece a parar de se importar com a Norma de Insensato Coração e passe a se preocupar com a Norma Culta, esta que querem que você esqueça. Machado de Assis era negro e pobre, e não esperou que a “classe dominante” lhe oferecesse cotas universitárias para virar um dos maiores escritores da Língua Portuguesa. E você, está esperando o quê?

Ah, e antes que eu me esqueça, só mais uma dica sobre o assassinato da Norma: na novela, foi a Wanda.


Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 23 de agosto de 2011.

Um comentário:

  1. Grande Renam. Sua habilidade com as palavras sempre surpreende. O humor inteligente prende o leitor que, sem querer, recebe informações que lhe são úteis e que ele normalmente não as procura em jornais, revistas, etc.

    Sobre esse texto em particular, permita-me discordar. Sem defender partido político ou governos, gostaria de me posicionar a favor desta relação de reorganizar a socialização das pessoas diante das normas cultas de uma língua para poucos. Nenhum de nós, leitores deste blog, falamos o português da normal culta. Nós, que tivemos acesso ao ensino de qualidade desde criança ainda nos pegamos varias vezes recorrendo ao google e seu famoso "você quis dizer...".

    Façamos o exercício de avaliarmos a postura de um estudante carente, abrindo mão das nossas concepções e convicções adquiridas ao longe de uma vida confortável. O guri tem vergonha de abrir a boca. Tem medo de falar errado e virar motivo de piada. Isso tem impacto direto na educação dele e isso representa um grande fator na hora de decidir parar os estudos.

    O que o governo tentou, de uma forma e condução questionável, e acabou virando um prato cheio para uma mídia que vende a alma por uma polêmica, foi mostrar a importância de se comunicar. Entender e se fazer entendido é o primeiro passo em direção a conhecer e implantar o mínimo da nossa (idiota) norma culta.

    Pior que matar a norma, da novela ou a culta, é matar a vontade e a esperança de uma criança em aprender. Fazer dela uma pessoa convicta de sua incapacidade, frustrada e conformada com uma vida inteira pela frente sem perspectivas.

    Abração!

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