É praticamente impossível soltar um inocente “nossa” sem que alguém complete com um “assim você me mata...”. Michel Teló não apenas cravou um hit grudento na cabeça do país inteiro: ele conseguiu por em desuso uma das palavrinhas mais comuns da língua portuguesa. A fogueira seria o mínimo para tal crime – assassinato de palavra, previsto no artigo 30.013.079 do livro de normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). As autoridades só não deram cabo da vida do cantor porque apenas acadêmicos do oitavo semestre usam este livro. E nem são todos.
Cada um no seu ai, se eu te pego
O hit “Ai, se eu te Pego” foi lançado por Michel Teló no segundo semestre do ano passado. Ele foi co-criado por Sharon Axé Moi – mesma autora da canção “Cada um no seu Quadrado”, a principal compositora brasileira depois da morte de Renato Russo. A competente jornalista Fabíola Oliveira foi taxativa: alguém precisa deter esta mulher. Tentativas até então não faltaram, mas todas têm fracassado; Sharon sempre dribla a polícia fazendo Claudinho e Buchecha com giratória.
“Ai, se eu te Pego” nasceu como funk, virou forró e acabou em sertanejo universitário... Falando nisto, me espanta esta nova classificação da música derivada do caipira. Na minha opinião, se estas novas composições sertanejas são universitárias, o rock de Cazuza deveria ser PhD – e o do Restart, pré-escolar. Mas não percamos o foco: o assassinato do “nossa”. Você, homem, pode até não achar deveras grave o fim de tão singela palavrinha em um idioma mais superlotado que presídio carioca; no entanto, lembra-te, leitor: uma mulher sem assunto usa todos os itens do dicionário ao longo do dia pelo menos duas vezes. Nós, simples que somos, só necessitamos do “aham” para as respostas... mas tenhas compaixão.
Sêmen feelings: nojo, susto e safadeza
Não é que o “nossa” tenha sido varrido do mapa; ele apenas não pode mais ser pronunciado com tranquilidade. É como... sei lá, falar “sêmen” na Conferência Mundial de Freiras. E o pior é que não foi só por aqui que a palavra teve que cair em desuso: Michel Teló também conseguiu emplacar o hit na Europa – Portugal e Espanha, mais precisamente. Bastou o gajo Cristiano Ronaldo fazer a dancinha do “Ai, se eu te Pego” para que a música se espalhasse mais que chuchu em cerca. Agora a coreografia virou moda nos campos, nas quadras e nas trincheiras: até soldado treinado para matar impiedosamente qualquer ser vivo que se mexa num raio de 500 metros tomou coragem e começou a falar “nossa, assim...”.
O começo do problema...
Depois de contaminar Brasil, Portugal e Espanha, não contente, Michel Teló resolveu se meter com a principal potência militar mundial: os Estados Unidos da América. O Pentágono já estuda o que fazer para conter a música no país, considerada um grude: brasileiros que portem iPods, discmans e walkmans amarelos estão proibidos de levar na bagagem qualquer cópia da música na versão original ou traduzida. O medo é perder a interjeição “wow”, usada na versão em inglês, assim como perdemos o “nossa”. Barack Obama, pouco entusiasta do country of Harvard, como é conhecido por lá o nosso sertanejo universitário, já mandou avisar Teló pelo comandante das Forças Armadas: “Oh, if I catch you... D’oh!”.
- Delicious é a motherfucker, Teló!
Ainda não sabemos se o setor de inteligência dos Estados Unidos será capaz de conter o avanço de “Ai, se eu te Pego” no país, mas já dá para ter uma convicção: os norte-americanos com certeza estão arrependidos de ter inventado essa tal globalização. Por aqui, como já não há mais o que fazer, a música tem sido empregada para os mais variados fins, obtendo os mais diversos resultados – é o próprio Efeito Kuleshov: o hit pode ter várias interpretações, dependendo para quem se oferece. Imagine a mulher mais linda da festa: “Ai, se eu te pego...”. Imagine o José Sarney: “Aaaaai, se eu te pego...”. Tem diferença, mas o pior é que nas duas situações a resposta seria a mesma: “Nossa...”, acompanhado de um “assim você me mata”. Maldito Michel Teló.
PS: Agora, com vocês...
PS: And now, with you...
Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 17 de janeiro de 2012.
Muito bem escrito, boas citações, pena que o texto foi bem previsível.
Por falar em Renato Russo: "Quando nascemos fomos programados A receber o que vocês Nos empurraram com os enlatados Dos U.S.A., de nove as seis. Desde pequenos nós comemos lixo Comercial e industrial Mas agora chegou nossa vez Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês"
Ouvimos muita porcaria que vem dos E.U.A, mas não reclamamos, mas Michel Teló, 0ohh... E olha que eu nem gosto da música, mas convenhamos, todo mundo hoje só quer reclamar, não importa do que.
Muito bem escrito, boas citações, pena que o texto foi bem previsível.
ResponderExcluirPor falar em Renato Russo:
"Quando nascemos fomos programados
A receber o que vocês
Nos empurraram com os enlatados
Dos U.S.A., de nove as seis.
Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês"
Ouvimos muita porcaria que vem dos E.U.A, mas não reclamamos, mas Michel Teló, 0ohh...
E olha que eu nem gosto da música, mas convenhamos, todo mundo hoje só quer reclamar, não importa do que.
Verdade, hoje em dia todos só querem reclamar... até você! ;D
ExcluirBrincadeira, obrigado pela crítica. Abraços!
"meu barato"....muito bom começar o dia com um texto inteligente e bem humorado...
ResponderExcluirQue bom que gostou, Ariadne!
ExcluirFico feliz por saber, espero que volte... Beijos!