
Estou a uma semana de completar mais 365 dias – escrevo a coluna aos domingos – e me pergunto: tenho um ano a mais ou um ano a menos? Não soube me responder. É fato que tenho mais tempo de vida, mais conhecimento, mais contas e credores. Em contrapartida me restam menos anos, menos prazo para realizar sonhos antigos, menos cabelos. Pode parecer um questionamento precoce, afinal completo 23 anos no próximo fim de semana. Mas a expectativa de vida no Brasil é de 73,5 anos, ou seja: na metade do próximo ano terei completado, tendo por base esta perspectiva, um terço da minha jornada. E sabe o que fiz até aqui? Praticamente coisa nenhuma. Apenas sai das fraldas.
O.k., o.k.: terminei a escola, me formei numa faculdade, juntei um punhado de bons amigos ao longo dessa vida e convenci uma linda descendente de italianos que sabe fazer tortellini a namorar comigo, então não posso reclamar da esfera pessoal. Aliás, com os quilos que ganhei durante a faculdade, eu mesmo virei uma esfera, pessoal. Mas estou trabalhando na silhueta.
No campo profissional também tive minhas conquistas. Comecei como empacotador de balas. Sei que é difícil imaginar um gordinho respeitando o estoque, mas levo trabalho a sério. Em seguida virei auxiliar-faz-tudo numa empresa que instalava placas e adesivos, função pouco recomendada a alguém que tenha medo de altura – sim, tenho pavor. Lembro-me que foram tempos difíceis, nos quais me reencontrei com Deus: era subir no andaime para a reza começar. Fiquei neste emprego poucos meses, já que logo depois me tornei empacotador de supermercado! Já na faculdade virei repórter, e regredi na vida...
Não sou do tipo pessimista. Sei que ainda tenho mais de dois terços de vida pela frente – e são, claro, os mais importantes. As perspectivas são muitas. Até porque odeio aquele papo de “estou velho demais para isto”. Algumas pessoas cismam em deixar os anos passar inertes; sempre há alguma boa (?) desculpa para não recomeçar, não voltar a estudar, não arrumar os dentes. Acabo de ver a seguinte manchete num site: “Emerson Fittipaldi, 65 anos, mostra talento ao estrear no wakeboard”. O Emerson Fittipaldi, minha gente, poderia estar sentado na cadeira de balanço fazendo tricô ou jogando bingo... E talvez você até devesse, Emerson. Mas esta é a prova de que nunca se é velho demais para começar qualquer coisa que seja.
Minha preocupação, caso ainda não tenha ficado claro, é a seguinte: fiz muitas coisas até aqui, mas nada que deva ficar para a posteridade. Dizem que ao longo da vida devemos plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Um terço de existência praticamente completado, até o momento só cultivei no fundo de casa um pé de mamona, que já foi derrubado; criei um blog e arduamente trabalhei, com suor e látex, para ter filho algum. Analisando agora, parece que luto para não ser lembrado. Mas espero ser, ao menos pelos meus. Se serei, ainda não sei, mas já estou sem linhas e preciso encerrar os devaneios. E hoje quero acabar diferente: prefiro construir meus textos sozinho, mas é meu aniversário e vou me presentear com uma frase do Carlos Castelo, genial, que li nesse domingo. “O futuro a Deus pertence. E o passado, adeus”.
PS: Agora, com vocês, John Mayer...
Texto publicado na coluna “Devaneios” do jornal Sem Censura em 24 de abril de 2012.